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Organizações brasileiras denunciam à ONU violência sofrida por mulheres defensoras de direitos humanos


Em informe, relatora especial destaca que os países carecem de vontade política para garantir proteção às defensoras.

Primeira mulher negra eleita em Joinville (SC), Ana Lúcia sofreu ameaças de vida e racistas logo após divulgação do pleito de 2020. Foto; arquivo PT

A violência sistemática contra mulheres que defendem direitos humanos, em especial as que ocupam cargos eletivos, foi objeto de denúncia feita pela Terra de Direitos, Instituto Marielle Franco, Justiça Global e Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH) ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira (08), durante o Diálogo Interativo com a Relatora Especial sobre a situação das e dos Defensores de Direitos Humanos, Mary Lawlor.

A denúncia serve como complemento ao informe apresentado pela relatora especial para a 46ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), agenda em curso nestas últimas semanas. 

Por meio de vídeo a defensora de direitos humanos e vereadora de Joinville (SC), Ana Lúcia Martins (PT), sublinhou as tentativas de silenciamento e desestímulo ao exercício de cargos públicos por mulheres defensoras de direitos humanos. Logo após ser eleita no último pleito, Ana Lúcia  - primeira mulher negra eleita para o cargo - recebeu ameaças de caráter racista e contra a sua vida. Em uma das mensagens, uma pessoa afirma: “Agora só falta a gente matar ela e entrar o suplente que é branco (sic)".

“O racismo e o machismo alimentam uma rotina diária de violência de vários tipos que enfrentamos antes, durante e depois das eleições. Quanto mais avançamos na conquista de espaços de defesa de direitos, a violência aumenta e se torna cada vez mais grave”, destaca Ana Lúcia na fala dirigida à ONU. Veja o vídeo abaixo. 

Em um monitoramento realizado pelo Instituto Marielle Franco, Terra de Direitos e Justiça Global desde novembro de 2020, foram identificados mais de quinze casos de ameaças de morte e ataques contra mulheres negras e trans defensoras dos direitos humanos eleitas vereadoras. 

“Observo que mulheres defensoras dos direitos humanos cujas ações foram percebidas como um desafio para os sistemas patriarcais e heteronormativos usados ​​para enfrentar ameaças e ataques, porque questionam a forma de compreender a identidade de mulheres e seu lugar e papel, que eram dados como certos, e perturbam os relacionamentos de poder baseado em gênero”, sublinha Mary Lawlor.

No dia 25 de janeiro deste ano, a vereadora trans eleita para a Câmara de São Paulo, Erika Hilton (PSOL) foi perseguida dentro da casa legislativa por um homem. Poucos dias antes Erika protocolou uma ação contra 50 pessoas suspeitas de fazer ameaças transfóbicas e racistas contra ela na internet. A vereadora de Curitiba, Ana Carolina Dartora (PT) recebeu ameaças de vida logo após a divulgação dos resultados das eleições. Assim como Ana Lúcia, Dartora é a primeira mulher negra a ser eleita da capital paranaense. 

Fragilidade da ação do governo brasileiro em proteger defensores
Fruto de reivindicação popular, o Programa Nacional de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos no Brasil (PNPDDH) instituído em 2004 e efetivado após assassinato da missionária Dorothy Stang, em 2005, sofre de descontinuidades de execução e sua ampliação é pouco significativa, aponta o Dossiê Vidas em Luta sobre a situação de defensores no Brasil. Atualmente encontra-se vigente apenas em Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro e Equipe Federal, que atende os outros 20 estados e o Distrito Federal. De acordo com o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), o salto orçamentário de 2018 não resultou em implantação efetiva do Programa em mais estados ou melhoria na efetividade da proteção de pessoas e grupos que estão ameaçados. 

A descontinuidade do Programa e os impactos na proteção de defensores e defensoras também são apontados como grandes fragilidades. Desde que foi implantada em 2004, a política de proteção vem passando por várias descontinuidades em relação à sua execução nos Estados Federados. Inicialmente implantada nos estados do Pará, Espírito Santo e Pernambuco, nos anos subsequentes foi ampliada para os estados do Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Ceará e Maranhão. No entanto, por longos períodos, a política deixou de ser executada no Rio de Janeiro, Bahia, Pará, Espírito Santo e Rio Grande de Sul. A partir de julho de 2018, Rio de Janeiro, Pará e Bahia voltaram a executar a política em âmbito estadual. Os estados do Espírito Santo e Rio Grande do Sul não retomaram até o momento. 

Outro fator relevante é que a permanente incitação à violência pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e sua base contra específicos segmentos da população - mulheres, profissionais de imprensa, indígenas, quilombolas e outros - gera um ambiente de legitimação de atos de violência pela população contra estes grupos, e de insegurança dos defensores na inserção em um Programa de proteção executado por um governo que se posiciona contrário à afirmação de direitos destas populações. A pouca efetividada da proteção à defensores brasileiros ameaçados foi mencionado pela relatora, em seu informe. Mary Lawlor citou ao caso do Cacique Babau e o plano revelado de fazendeiros para assiná-lo e à sua família. Inserido no Programa de Defesa dos Defensores, Babau continua a ser ameaçado e não houve avanço nas investigações e responsabilização aos ameaçadores.

A relatora especial da ONU destaca que, embora alguns países tenham medidas instituídas para proteção ao trabalho de defensores de direitos humanos, estas ações não asseguram efetiva proteção. “Esses mecanismos muitas vezes não têm recursos suficientes e os estados carecem de vontade política necessária para protegê-los [os defensores] adequadamente”, destaca um trecho do informe. 

A relatora recomenda que os países promovam a melhora dos mecanismos de proteção aos defensores de direitos humanos, com garantia dos recursos adequados, como também os funcionários do Estado - o que inclui a presidência da República - reconheçam e divulguem o valor do trabalho dos defensores, entre outras medidas. 

 



Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos