Por que é falso afirmar que as queimadas da Amazônia são praticadas por indígenas e populações locais?
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Com os olhos do mundo voltados para a Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) voltou a diminuir a importância desse bioma em seu discurso na 74ª Assembleia das Organização das Nações Unidas (ONU). Com falas polêmicas, o presidente chegou a declarar que “é uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade”, e defendeu que o Brasil é “um dos países que mais protege o meio ambiente”, apesar de o país ocupar a 69ª posição no Índice de Desempenho Ambiental.
Bolsonaro também negou os impactos das queimadas que atingiram quase 30 mil km² na Amazônia, ao falar que “ela não está sendo devastada e nem consumida pelo fogo, como diz mentirosamente a mídia”. Em seu discurso, no entanto, o presidente não citou que o mês de agosto de 2019 registrou o maior número de focos de incêndios na Amazônia em nove anos, nem o aumento de 278% do desmatamento no mês de julho.
Apesar de cortes orçamentários em áreas essenciais para a preservação do bioma – como uma redução de 24% no orçamento anual do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o contingenciamento de R$ 187 milhões no Ministério do Meio Ambiente – Bolsonaro tentou atribuir a responsabilidade das queimadas a causas naturais relacionadas ao clima seco ou até mesmo a uma ação “praticada por índios e populações locais”. No entanto, uma nota técnica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) revela que o volume de chuvas este ano é maior do que em 2018 e que o clima não foi um fator preponderante para o aumento de quase 200% nas queimadas no bioma, no mês de agosto.
Entenda também porque é falso afirmar que indígenas e povos locais são responsáveis pelos incêndios de grandes proporções, e veja qual é a responsabilidade do governo nesse cenário:
1 – As queimadas que atingiram grandes áreas da Amazônia iniciaram na região do agronegócio
As queimadas que atingiram a Amazônia nos últimos meses devastaram uma área equivalente a 4,2 milhões de campos de futebol e estima-se que 90% dos focos de incêndio no Pará se concentraram na região das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém (BR 163). O Dia do Fogo, realizado em 10 de agosto, provocou incêndios a partir de uma articulação feita por fazendeiros do entorno da BR 163, na região de Novo Progresso, no Sudoeste do Pará. Essa rodovia, que liga o Mato Grosso ao Pará, é um dos grandes símbolos do avanço da soja sobre a Amazônia. A BR 163 criou um corredor para o escoamento dos grãos vindos do Centro-Oeste até portos localizados no Norte, e passa a ser ponto estratégico para a ampliação das plantações na região. O traçado da estrada também será acompanhado pela Ferrogrão, um dos projetos de ferrovia que está sendo amplamente defendido pelo governo Bolsonaro, apesar de todas as denúncias de violações de direitos.
2 – O manejo tradicional do fogo, a roça de toco ou roça de coivara não são práticas associadas aos grandes incêndios
Os povos indígenas e as comunidades tradicionais utilizam como práticas de roçado as chamadas técnicas “roça de toco” ou “coivara”, que usam o manejado do fogo para abertura de pequenas áreas que servirão para os cultivos anuais. O que diferencia essa prática tradicional e milenar das grandes queimadas na Amazônia é a quantidade de área queimada e o uso controlado do fogo. Em geral, o manejo tradicional do fogo é realizado em áreas entre um a quatro hectares de terra. A utilização dessa técnica pelos povos indígenas é prova de que essa prática não é responsável pelos grandes incêndios. Nos últimos 40 anos, 20% da floresta amazônica foi devastada, enquanto menos de 2% das florestas originais dentro de Terras Indígenas foram perdidas.
Associar as queimadas da floresta às coivaras ou roças de toco é uma forma de criminalizar uma prática tradicional e isentar os verdadeiros culpados. É preciso lembrar que os incêndios que consumiram boa parte da Amazônia não foram acidentais, mas previamente articulados, como no Dia do Fogo.
3 – O desenvolvimento defendido pelos povos da Amazônia é sustentável, já o “desenvolvimento” pregado por Bolsonaro é devastador
Em seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro voltou a reforçar que defende um modelo de desenvolvimento integracionista na Amazônia ao falar que “o índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas”. A fala retoma o discurso de seu governo de quer integrar indígenas à sociedade, com a possibilidade, inclusive, de abertura das terras indígenas para mineração e arrendamento. O modelo de desenvolvimento predatório defendido por Bolsonaro, no entanto, é bem diferente do desenvolvimento sustentável reivindicados pelos povos da Amazônia, que lutam pela garantia do território, da manutenção de suas culturas e de suas práticas tradicionais de plantio, extrativismo, pesca e colheita. Um modelo de desenvolvimento que prevê grandes obras, exploração mineral e avanço do agronegócio sobre a Amazônia representa a contaminação das águas, a intoxicação por agrotóxicos, o aumento da violência, o desequilíbrio ambiental e ameaça aos modos de vida tradicionais dos povos da região.
4 –A maioria dos indígenas repudia a política anti-indigenista apresentada por Bolsonaro
Indígenas de 16 povos do Xingu lançaram uma carta no último sábado (21) criticando a política indigenista do governo de Jair Bolsonaro. O documento aponta que a participação da indígena Ysani Kalapalo na delegação brasileira que participou da Assembleia da ONU não torna a política do governo menos ameaçadora aos direitos indígenas.
“O governo brasileiro não se contentando com os ataques aos povos indígenas do Brasil, agora quer legitimar sua política anti-indígena usando uma figura indígena simpatizante de suas ideologias radicais com a intenção de convencer a comunidade internacional de sua política colonialista e etnocida”, destaca.
Nesses nove meses de governo, Bolsonaro já deu diversas declarações de que não haverá “um centímetro de terra demarcada” em seu mandato, como anunciou em período eleitoral, e em mais de um momento tentou transferir para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a responsabilidade sobre demarcação de terras indígenas, apesar de a pasta ser reconhecidamente defensora de interesses que violam os direitos dos indígenas. Além disso, em seu discurso na Assembleia da ONU, Bolsonaro voltou a afirmar que “o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena”.
5 – A política de “integrar para não entregar” favorece a invasão de territórios indígenas e tradicionais
Ao comentar a pressão de outros países sobre a situação na Amazônia, Bolsonaro destacou que qualquer iniciativa de apoio “deve ser tratado em pleno apoio à soberania nacional”, como forma de proteção a interesses estrangeiros. Essa concepção, associada à ideia de não demarcação de terras indígenas ou territórios quilombolas e, ao mesmo tempo, à entrega de empresas públicas ou de empreendimentos ao capital internacional remonta a ideia integracionista defendida durante a ditadura militar. Na época, medidas que garantiam a ocupação de terras amazônicas por populações de outras regiões do país e a construção de rodovias como a Transamazônica eram uma forma de proteger o país da internacionalização. "Integrar para não Entregar" era uma ideia defendida pelo primeiro presidente da ditadura militar, Castelo Branco (1964-1967). A ação, no entanto, promoveu diversas violações de direitos humanos e possibilitou a invasão de terras indígenas e outros territórios tradicionais. A política de não reconhecimento desses territórios defendida por Bolsonaro – apesar de a garantia ao território tradicional estar prevista na Constituição Federal de 1988 – também deve acentuar isso.
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