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Em decisão unânime, Tribunal de Justiça do Paraná confirma usucapião coletiva da Vila Esperança (PR)


Localizada na Cidade Industrial de Curitiba, área é local de residência de 233 famílias. Lutas por regularização fundiária já totalizam mais de 14 anos. 

Comunidade ajuizou ação de regularização fundiária em 2008. Arquivo: Terra de Direitos

Após mais de 14 anos de tramitação de ação judicial, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) confirmou, por unanimidade, a usucapião coletiva da Comunidade Vila Esperança, localizada no Sabará, na Cidade Industrial de Curitiba (PR). Em decisão proferida no dia 24 de junho o juiz em 2° grau Luiz Henrique Miranda confirmou, relator, confirmou a decisão do juiz Guilherme de Paula Rezende. Em dezembro de 2020 Rezende já havia reconhecido o direito de posse de propriedade das 233 famílias residentes na Vila Esperança. No entanto, a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab), Companhia de Desenvolvimento de Curitiba - Curitiba S.A e o Município de Curitiba haviam recorrido da decisão de 2020. Agora, em nova manifestação, o Tribunal confirmou a decisão anterior.

"A decisão unânime do Tribunal de Justiça reafirmou o direito da Comunidade Vila Esperança à usucapião. Foi importante o reconhecimento, pelo Tribunal, da função social da posse exercida pela comunidade e seu direito à regularização fundiária via usucapião”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro. A organização assessora a comunidade no processo de regularização fundiária.

Modalidade coletiva de aquisição regulamentada no Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001), o uso do instrumento da usucapião coletiva foi a alternativa encontrada pela comunidade para o processo de regularização da área diante da omissão do poder público (veja abaixo). A ação de usucapião foi protocolada em 2008.

Contrapondo o argumento das partes de que a ação descumpria a lei de ocupação do solo e o não enquadramento da comunidade para uso da modalidade de usucapião coletiva, o juiz relator destacou, na recente decisão, que “esta espécie de usucapião está claramente vinculada à função social da propriedade, pois reconhece a prevalência da posse adequadamente exercida sobe a propriedade desprovida de utilidade social, permitindo, assim, a redistribuição de riquezas com base no interesse público”, aponta um trecho da decisão.

O relator ainda fez críticas à atuação do Estado em não promover, por anos, medidas que assegurassem a regularização fundiária da área. “Não parece coerente assumir como linha de princípio que as ocupações irregulares do solo atentem contra o interesse público ou contra a ordem urbanística; pelo contrário, o que atenta contra o interesse público é a inércia do Estado em promover e disciplinar a ocupação do solo, como no presente caso onde a ocupação sedimentada há décadas, com a tolerância do Poder Público,” manifesta o magistrado em contraponto aos argumentos da Cohab, município e Curitiba-SA.

Ignorada pelo poder público por décadas, foi a comunidade que fez a Vila ser erguida. “Quando cheguei aqui era casinhas de lona, e através do trabalho da gente aqui está tudo sobradinho [alvenaria], com o suor do povo. Tudo o que está em cima desta terra foi pago pela população”, rememora a liderança da Vila, Sebastião Sampaio, em referência à luta comunitária para trazer para a Vila asfaltamento, posto de saúde, linhas de ônibus, saneamento público e outros equipamentos essenciais. Residente na Vila desde 1989, ele aguarda, hoje as 76 anos, pela reconhecimento formal de posse do Estado. A decisão ainda cabe recurso.

Um longo percurso e espera pela regularização fundiária, assim como a necessidade de acionamento do sistema de justiça para garantia de direitos - elementos integrantes da história da Vila Esperança - tem sido reflexos da frágil política habitacional da cidade de Curitiba. Destoante da propaganda oficial de priorização de políticas sociais, a capital destinou apenas 0,25% do orçamento para o setor de habitação entre os anos de 2013 e 2020 (dados da Campanha UOH! - Urgente um orçamento para habitação em Curitiba) e possui cerca 20% das famílias residentes em favelas, em loteamentos clandestinos ou em ocupações irregulares, de acordo com o Plano Estadual de Habitação de Interesse Social.

Registro do momento de ajuizamento do usucapião coletivo da Vila Esperança. Foto: Arquivo Terra de Direitos
Luta pela regularização fundiária
Com mais de 30 anos de história e composta por oito vilas, a região do Sabará foi originalmente ocupada por 190 famílias após remoção forçada na região do Campo Comprido para construção de Terminal de Ônibus, ainda na década de 80.

Atraídos pelas promessas de uma vida melhor na capital paranaense e dificuldades de permanência no campo, vários trabalhadores rurais se deslocaram para Curitiba neste período. No entanto, os altos valores de aluguel na cidade e a falta de políticas públicas voltadas para a habitação popular fez com que as famílias se deslocassem para vazios urbanos das periferias, como o Sabará.

No ano de 2000 o Sabará foi declarado Setor Especial de Habitação de Interesse Social pela Lei Municipal 9.800, o que permitiu a regularização da área em parâmetros urbanísticos flexíveis, possibilitando a inclusão na cidade formal. No entanto, os órgãos e autarquias que respondem pela moradia na capital têm resistido – como no recurso à decisão de 2020 e em desprezo ao Estatuto das Cidades – a utilização de instrumentos jurídicos de regularização fundiária que não passe pela compra e venda de terrenos.

Além disso, as várias famílias da Vila Esperança foram lesionadas com a assinatura e pagamento de contratos ilícitos gestionados pela Companhia de Habitação. O episódio ficou conhecido como “Contratos falsos da Cohab” e foi objeto de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, que obteve o reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2010, da anulação dos contratos. Diante da omissão do Estado e ações ilícitas contra as famílias que foram ajuizadas ações de usucapião coletiva.

 



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Ações: Direito à Cidade
Casos Emblemáticos: Sabará
Eixos: Terra, território e justiça espacial