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Encerrado o julgamento do Código Florestal no STF: perda dos direitos socioambientais, quem vence são os ruralistas


Veja o que foi declarado inconstitucional pelos ministros dos STF

Nesta quarta-feira (28) foi encerrado o julgamento do Código Florestal Brasileiro, a legislação ambiental mais importante do país. O Supremo Tribunal Federal avaliava dispositivos denunciados por ferirem a Constituição Federal. O único voto pendente era o do ministro Celso de Mello, responsável por desempatar a votação em uma série de artigos importantes. Apesar da consistente fundamentação em relação ao direito socioambiental, o ministro decepcionou e votou a favor dos ruralistas e desmatadores em todos os pontos que poderia desempatar. 

Veja a relação de votos para cada ponto

Além da regulação da vegetação nativa em áreas particulares, o Código Florestal conforma o direito de propriedade e em especial as formas de uso e apropriação do solo rural e urbano, nas áreas territoriais protegidas, como também regulamenta o regime jurídico de manejo dos recursos naturais para a presente e futuras gerações.

O parecer da lei na época de sua aprovação, de caráter extremamente técnico, representou retrocesso na tutela e status de proteção da sociobiodiversidade no país e realizou verdadeira mudança paradigmática da forma de tutela constitucional da proteção integral do meio ambiente como direito fundamental difuso de uso comum do povo, para passivos comercializáveis nos mercados financeiros com atribuição de valor monetário às qualidades ambientais. Também significou a facilitação e flexibilização ambiental para o avanço da fronteira agroexportadora de uso intensivo da terra e dos recursos naturais. 

Com base nessas premissas foram ajuizadas as cinco ações no STF (as Ações Diretas de Inconstitucionalidade de números 4901, 4902, 4903, 4937 e a Ação Declaratória de Constitucionalidade número 42), que discutiam 58 artigos do Código Florestal. As ADIs foram movidas pela Procuradoria Geral da União (órgão que representa o país juridicamente) e pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Já a ADC foi ajuizada pelo Partido Progressista e visava afirmar o Código Florestal como constitucional em sua integralidade.

A Terra de Direitos foi uma das organizações que atuou como Amicus Curiae no caso, ou seja, como entidade que contribui com mais argumentos que podem ajudar na decisão dos ministros de justiça do STF. Além de entregar aos ministros estudos sobres os impactos da lei, a Terra de Direitos e outras organizações que são Amicus Curiae foram representadas pelo advogado e professor Carlos Marés.

A organização também lançou estudo aprofundado e sistematizado sobre as alterações jurídicas advindas pelo Código, realizada pela pesquisadora associada da Terra de Direitos, Larissa Packer, de título Lei Florestal 12.651/12: avanço do direito civil-proprietário sobre o espaço público e os bens comuns dos povos. Este estudo foi citado pelo Minsitro decano Celso de Mello durante seu voto.

O julgamento se entendeu em vários dias, devido à complexidade do tema e ao posicionamento divergente de cada ministro(a) sobre os artigos mencionados. A votação foi acirrada e os resultados se consolidaram no último momento. Dos 84 artigos da lei, 58 eram questionados pela ADI e somente 4 pontos foram modificados pelo Supremo.

O saldo do julgamento desta tarde ainda é imensurável à biodiversidade nacional e ao desenvolvimento sustentável, mas algumas questões já podem ser apontadas. Percebe-se que o STF confirma a posição legislativa desenvolvimentista e pragmática, com pouca consideração ambiental. Isto é, prioriza-se o esgotamento dos recursos naturais, com normas ambientais adequada à produção agroexportadora. Ocorre que o desenvolvimento nacional exige planejamento estratégico para além do pragmatismo imediato dos empreendimentos nacionais. Sem a possibilidade futura de usufruto e garantia dos mínimos recursos naturais - como é a água para consumo humano e animal, geração de energia, irrigação e produção agrícola e industrial -, não haverá soberania ou desenvolvimento brasileiro a médio ou longo prazo.

A consolidação desta lei compromete o equilíbrio climático, a qualidade da água, o controle dos deslizamentos de terra e os serviços ecossistêmicos. É o que indicaram vários especialistas nas audiências públicas voltadas à discussão do novo Código Florestal.

Vários dispositivos caros ao socioambientalismo brasileiro foram declarados constitucionais, dentre eles: a anistia de multas e sanções para aqueles que desmataram ou causaram danos ambientais antes de 22 de julho de 2008; a obrigação de recuperar áreas de Reserva Legal que sofreram danos ou desmatamentos ilegais; a redução da Reserva Legal na Amazônia de 80% para 50% por existência de Terras Indígenas ou Unidades de Conservação no município ou estado; a consolidação do desmatamento em Reserva Legal em áreas desmatadas até 22.07.2008.

Abaixo estão os poucos avanços nas declarações de inconstitucionalidades e interpretações conforme (quando não há mudança legal, mas a necessidade de observância da aplicação da interpretação firmada no STF pelo intérprete, aplicador e julgador da lei), conquistados pela incidência dos movimentos sociais do campo, comunidades tradicionais e organizações socioambientais e de direitos humanos.

O que foi declarado inconstitucional?

 

A possibilidade de intervenção em áreas de Preservação Permanente para “gestão de resíduos sólidos” e “competições esportivas estaduais, nacionais ou internações” (Art. 3, VIII, B)

Não havia qualquer justificativa razoável para que se autorizasse o sacrifício de APPs para atividades recreativas. Ainda mais desarrazoada autorização de instalação de aterros sanitários em APP com a decorrente contaminação do solo, cursos d´agua, lençol freático pelo chorume do lixo. A maioria dos ministros declarou inconstitucional as expressões “gestão de resíduos e as “instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais e internacionais”.

Intervenção em APP por “interesse público e social” sem exigência de comprovação de outra alternativa técnica e locacional

O Código deixava de exigir comprovação por processo administrativo próprio de inexistência de alternativa técnica e locacional para todas as hipóteses de intervenção de “interesse público” e “interesse social”.

A omissão pode autorizar intervenções em APP como regra e não exceção, permitindo o comprometimento de funções ecológicas.  Havia violação do interesse público primário desta e das futuras gerações em nome de interesse secundário da administração. A maioria dos ministros se posicionou pela interpretação conforme para que todas as hipóteses de intervenção excepcional por interesse público e social em APP fossem condicionadas à inexistência de alternativa técnica/locacional comprovada por meio de processo administrativo próprio.

Exigência de demarcação de Terras Indígenas e titulação de terras de comunidades tradicionais para tutela especial

O reconhecimento dos territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais é meramente declaratório da realidade fática, portanto, a exigência de titulação era irrazoável.  A maioria dos ministros julgou inconstitucionais, as expressões “demarcadas” e “tituladas”. Agora as terras indígenas e de comunidades tradicionais têm tratamento legal ambiental especial, independentemente do reconhecimento formal.

Extinção de APP em nascentes e em olhos d´àgua intermitentes

Deixavam de ser APPs nascentes intermitentes ou que não gerem cursos d´água; assim como os olhos d`água intermitentes, isto é, aqueles que tem seu curso interrompido em algum momento do ano.

Os ministros se posicionaram pela interpretação conforme para considerar os entornos de nascentes e olhos d´água intermitentes como áreas de proteção permanente (APP).

Compensação ambiental no mesmo bioma do imóvel com identidade ecológica

O Código Florestal de 2012 prevê a possibilidade de compensação ambiental no mesmo BIOMA, o que não significa a real compensação, vez que um mesmo bioma pode se estender há milhares de quilômetros de distância.

No julgamento a maioria dos ministros consideraram a necessidade de INTERPRETAÇÃO CONFORME do artigo 48, § 2º do Código para permitir compensação apenas entre áreas com identidade ecológica no mesmo bioma.



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