Notícias / Notícias



Inconstitucionalidade da isenção de impostos para agrotóxicos volta a ser julgada pelo STF nesta sexta (20)


Ação questiona redução de ICMS e isenção total de IPI para aquisição de agrotóxicos. Organizações apontam impactos para meio ambiente, saúde e cofres públicos.  

 

Foto: Commons.Wikimedia

O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a julgar nesta sexta-feira (20), em modalidade virtual, a Ação Direta de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona isenção fiscal para agrotóxicos. O julgamento havia sido suspenso em junho, com pedido de vista do ministro André Mendonça

Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.  

O pagamento parcial do tributo ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios destes dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Este princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e conferir benefícios fiscais, conforme sua importância social. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade pode ter isenções ou reduções tributárias. Deste modo, há mais de 26 anos, o mercado de agrotóxicos é beneficiado com isenção fiscal. 

A retomada do julgamento da Ação pelo STF ocorre em paralelo à tramitação do Projeto de Lei 1.459/2022, na Comissão de Meio Ambiente do Senado. Conhecido como “`Pacote do Veneno”, a proposta legislativa conta com a forte incidência da bancada do agronegócio no Congresso Nacional, articulada pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e atende aos interesses das multinacionais agroquímicas. Isto porque flexibiliza a atual legislação para facilitar a aprovação e circulação de agrotóxicos, entre outras medidas. Majoritária na casa legislativa, a Frente Parlamentar responde por 47 dos 81 senadores.  

“A sociedade brasileira precisa decidir neste momento entre dois caminhos: aprofundar o modelo do agronegócio e usar ainda mais agrotóxicos, ou caminhar no sentido de uma transição agroecológica. Aprovar o pacote do veneno significa incentivar o uso de venenos, enquanto a Revogar as isenções de impostos será um importante passo no incentivo da agroecologia”, aponta o integrante da coordenação da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Alan Tygel, sobre como a decisão pelo Legislativo e Judiciário são centrais para enfrentamento ao modelo agroexportador de forte impacto socioambiental.  

“É um momento muito oportuno para o STF avaliar a inconstitucionalidade da isenção conforme bem proposta pelo voto do Ministro Fachin, no sentido de reconhecer os riscos à saúde e ao meio ambiente do uso de agrotóxicos. No cenário de discussões do “PL do Veneno” precisamos caminhar para reconhecer que os agrotóxicos não contribuem para produção dos alimentos da cesta básica, não havendo necessidade das isenções. Pelo contrário uma tributação mais rígida contribuiria para a redução do seu uso no Brasil, atendendo ao princípio da precaução à saúde e meio ambiente”, aponta a assessora jurídica na Terra de Direitos, Tchenna Maso,  

Votos dos ministros 
Até o momento apenas dois ministros se manifestaram na Ação. O ministro e relator da Ação, Edson Fachin, reconheceu em seu voto proferido em novembro de 2020, a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais. O ministro conclui que as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.  

Na manifestação do voto, o ministro não se restringiu a analisar a questão tributária, mas evocou também o princípio da precaução sobre uso dos agrotóxicos para destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde. “O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, aponta Fachin.    

Já o ministro Gilmar Mendes votou em junho deste ano pela manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos. Depois de quase dois anos do processo suspenso pelo pedido de vista do ministro em novembro de 2020, Gilmar Mendes acolheu os argumentos de entidades vinculadas ao agronegócio e se manifestou pelo não reconhecimento da ação que contesta a constitucionalidade do benefício. Mendes afirma em seu voto que os danos à saúde "não devem ser desconsiderados, mas por si próprios são insuficientes para se declarar a inconstitucionalidade dos benefícios, porquanto produtos essenciais não são isentos de causarem malefícios à saúde". A posição diverge do relator Fachin e de um conjunto de organizações, pesquisadores e órgãos que denunciam os fortes impactos dos agrotóxicos para a saúde e meio ambiente, o que descumpre preceitos constitucionais. 

Além da não arrecadação de tributos pelo Estado brasileiro, a utilização dos agrotóxicos também traz outros prejuízos aos cofres públicos. Um estudo publicado na revista Saúde Pública, de autoria de Wagner Soares e Marcelo Firpo de Souza Porto, revela que para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, por exemplo, estima-se gastos de U$$ 1,28 no tratamento de intoxicações agudas – aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação. Nesse cálculo não são considerados os gastos com saúde pública em decorrência da exposição constante aos venenos agrícolas, como com o tratamento do câncer, tampouco os custos decorrentes da poluição ambiental ou ainda da seguridade social decorrente do afastamento por doenças e mortes dos trabalhadores e populações contaminadas. 

Participação da sociedade 
Para colaborar na argumentação técnica e jurídica sobre impactos sociais e econômicos da isenção fiscal, organizações da sociedade civil e redes de atuação de um espectro diverso de defesa dos direitos humanos participam do julgamento da ação, na condição de Amici Curiae. Quatro pedidos de participação da sociedade foram admitidos pela Corte, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Terra de Direitos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Abrasco, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Fian-Brasil.  

Em defesa da manutenção da isenção, a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal. (Sindiveg), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Crop Life também foram admitidas no processo. 

Sobre o julgamento 
O julgamento será em modalidade virtual, sem a realização presencial de sessão e transmissão dos votos dos ministros. Os ministros possuem o prazo de até 27 de outubro para manifestarem seus votos. 



Notícias Relacionadas




Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar