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Protegido durante 20 anos por apoio popular, Monumento Antônio Tavares é reconhecido como patrimônio histórico


Município de Campo Largo (PR) tombou a obra projetada por Oscar Niemayer. Tombamento integra reivindicações feitas à Corte Interamericana. 

  Todo ano centenas de integrantes do MST se reúnem em memória a Antonio Tavares e demais campesinos agredidos em 2000. Foto: Juliana Barbosa/ MST-PR

O Monumento Antônio Tavares, localizado na altura do quilômetro 108 da BR-277, foi reconhecido como patrimônio municipal histórico-cultural pela Prefeitura de Campo Largo (PR). Publicado no Diário Oficial de 21 de julho, o Decreto 224 reconhece o “valor histórico e artístico do Memorial [do qual o monumento é parte integrante] projetado por Oscar Niemeyer, em homenagem aos trabalhadores rurais e ao fato ocorrido neste Município em 02 de maio de 2000”. 

Projetado pelo renomado arquiteto e construído no ano de 2001 pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e apoiadores, o monumento representa uma memória coletiva da luta pela reforma agrária e intensa violência do Estado brasileiro contra trabalhadores rurais Sem-Terra.  

No dia 02 de maio de 2000 cerca de 50 ônibus com trabalhadores rurais Sem Terra seguiam em caravana do interior do Paraná para a capital para participar da Marcha pela Reforma Agrária, organizada pelo MST, em comemoração ao Dia dos Trabalhadores. Além de reivindicar a realização da política pública de reforma agrária, a marcha tinha como objetivo, também, denunciar as graves violações a direitos que vinham acontecendo, no contexto de despejos ilegais, em diferentes regiões do Paraná. Na BR-277, em razão de um bloqueio feito pela Polícia Militar do Paraná, os passageiros desceram de um dos ônibus para perguntar o que estava ocorrendo, quando policiais militares efetivaram sequenciais disparos contra os trabalhadores. Além de tropa de 1500 agentes de segurança pública, a obstrução e repressão contou com o uso de cães, bombas de gás, cavalaria e armas letais. Sem amparo de qualquer ordem judicial, a Polícia Militar agiu por determinação do Governo do Estado, à época sob comando de Jaime Lerner (antigo PFL). A ação da polícia resultou em mais de 185 feridos e na morte do trabalhador rural Antônio Tavares.   

Logo após o episódio, Niemeyer tomou conhecimento da intensa repressão e projetou a obra de 10 metros de altura, com um trabalhador rural em pé no topo e portando uma foice. Desde a sua construção, em 2001, foram os esforços do MST e organizações parceiras que asseguraram a preservação do espaço. Local de passagem, o monumento também tem sido como espaço de reafirmação da memória coletiva e dos símbolos de luta.  

“Fico muito feliz, alegria muito grande de saber que nunca mais vai se mexer do lugar (o monumento). Foi uma violação dos direitos humanos, pelo governo que não quis ouvir a democracia. Calaram Antonio Tavares, mas o monumento fala pelos povos que lutam e pela resistência. Fica a marca no coração das pessoas. Quem passa por aí lembra do que aconteceu. Nós que estamos vivos e sabemos da história do Antonio Tavares, continuaremos a luta porque a vida só tem sentido se a gente luta pela liberdade, justiça, esperança, igualdade, saúde de todos e bem comum da humanidade. Esse monumento representa tudo isso”, comemora Antonio Tavares Irmão, um dos irmãos de Tavares. Além do nome em comum, ambos carregam uma história de luta e resistência pelo direito à terra. 

O tombamento também foi comemorado pela direção estadual do MST. “Achamos que esse monumento conta uma história de muita violência cometida pelo estado do Paraná contra os trabalhadores que viviam em seus acampamentos e assentamentos, que não podiam se manifestar. Tornar esse monumento patrimônio histórico cultural da humanidade vai contar essa história de muita violência. Também fica como marco para qualquer governo não fazer mais o que foi feito”, afirma.  

Acionamento da Corte Interamericana 
Desde 2016 a empresa Postepar, proprietária do terreno onde a obra foi instalada, manifestou interesse em remover o monumento do local. Em fevereiro daquele ano a Postepar tentou rescindir o contrato de comodato – renovado a cada 5 anos. No entanto, a empresa fez a notificação fora do prazo, com isso houve uma renovação automática naquele ano. Em 2021 a empresa manifestou novamente interesse na rescisão.  

Diante disso, a Terra de Direitos e o MST solicitaram em 2021 ao município de Campo Largo o tombamento da obra. Com processo administrativo instaurado, o Departamento de Cultura do município solicitou uma análise da Procuradoria Geral da Prefeitura e notificou a Postepar, que declarou não estar interessada em continuar com o contrato de comodato.   

Ignorando o elemento territorial como fator simbólico da obra - já que o monumento está nas proximidades de onde ocorreu a violência contra os trabalhadores -, a Postepar sugeriu deslocamento da obra e declarou o monumento “é apenas um pedaço de concreto no meio do mato". A Procuradoria Geral encaminhou o processo à Secretaria Municipal de Educação, Esportes e Cultura de Campo Lago para a continuação do processo administrativo, sem, no entanto, determinar a impossibilidade de a Postepar realizar qualquer intervenção no monumento que significasse dano ou remoção do local onde está instalada.  Com isso a obra encontrava-se desprotegida. 

Foi a decisão, em caráter excepcional, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proferida em 24 de junho de 2021, que trouxe proteção ao monumento. Em reconhecimento ao eminente risco sofrido pela obra, a Corte determinou que o Estado brasileiro proteja o monumento em memória à luta pela reforma agrária e ao trabalhador rural Antonio Tavares Pereira.  

O caráter excepcional da decisão pela Corte Interamericana de Direitos diz respeito ao fato de que o órgão acolhe medidas provisórias que assegurem proteção, principalmente, a pessoas em risco de vida, e não a um bem cultural - como um monumento. No entanto, a Corte reconheceu que o pedido realizado pelo MST, Terra de Direitos e Justiça Global para proteção da obra cumpre três condições fundamentais para determinação de medida provisória: a defesa da obra é urgente, tendo em vista o risco de dano com possível remoção do monumento; a ameaça ao monumento e à memória de luta é grave; e uma possível danificação à obra configura-se como dano irreparável.  

Em decisão sem precedentes em sua jurisprudência, a Corte IDH reconheceu que “o Monumento Antônio Tavares Pereira possui grande valor simbólico, não apenas para os familiares do Sr. Tavares Pereira e para as supostas vítimas do caso em questão, mas também para todos os membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra”. Segundo a decisão que deferiu a medida de urgência à época, “além de ser uma obra de arte projetada por um renomado arquiteto brasileiro [...], o Monumento representa para essas pessoas um importante símbolo de memória, e uma referência histórica, das trabalhadoras e dos trabalhadores mortos e feridos durante os conflitos fundiários na região, bem como uma espécie de ‘reparação’”. Desse modo, entendeu razoável supor que “sua remoção, ou mesmo destruição, poderia causar danos graves à integridade pessoal dos indivíduos acima mencionados, violando a esfera moral e psicológica dessas pessoas, devido à relação do monumento com a preservação da memória dos fatos em relação aos quais seus familiares mais próximos foram vítimas”.    

Essa decisão impulsionou a atuação das autoridades locais, chamando atenção para sua obrigação de proteção o monumento. A medida liminar proferida pela Corte tem vigor até a decisão de mérito daquele tribunal sobre o julgamento do Estado brasileiro sobre assassinato de Tavares e agressão aos 185 trabalhadores. A previsão é que a decisão seja publicada neste 2º semestre. Deste modo, o tombamento da obra pelo Município de Campo Largo na última semana antecipou uma das reivindicações presentes no acionamento da Corte pelas organizações sociais e o MST.  

“O tombamento do monumento em homenagem a Antonio Tavares Pereira é uma grande conquista dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais Sem Terra, a qual foi diretamente impulsionada por uma decisão liminar concedida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em junho de 2021. Durante mais de 20 anos, foi o MST e a organizações locais que protegeram o monumento feito por Oscar Niemeyer”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Camila Gomes. “Foi preciso que o caso fosse levado à esfera internacional para que as autoridades brasileiras, finalmente, assumissem sua obrigação de proteger e preservar esta que, além de uma obra de arte com elevado valor cultural, possui importante valor simbólico, de memória e reparação para a família de Antonio Tavares e de todos os trabalhadores e trabalhadoras rurais mortos e feridos durante os conflitos agrários na região", complementa.  

 

 



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Ações: Conflitos Fundiários
Casos Emblemáticos: Antonio Tavares
Eixos: Terra, território e justiça espacial