Quilombolas de Sítio Conceição, em Barcarena (PA), são despejados de seu território pela Prefeitura
Lanna Paula Ramos
Justiça concede posse da terra à Prefeitura de Barcarena e ignora que famílias quilombolas residem em território tradicional
Na manhã de hoje (14), quatro famílias que vivem no Quilombo de Sítio Conceição, em Barcarena (PA), foram despejadas de suas casas por agentes da polícia civil e da Prefeitura do município. As famílias estavam sob ameaça de despejo desde o dia 27 de setembro, quando a 1ª Vara Federal Cível e Empresarial da Comarca de Barcarena-PA acatou um pedido de posse do território feito pela Prefeitura e estabeleceu um prazo de 48 horas para que as famílias deixassem suas casas.
Segundo relatos da comunidade, as famílias foram surpreendidas de forma violenta pela polícia civil e por agentes de fiscalização da Secretaria de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano de Barcarena (SEMDUR), que realizaram a desocupação e derrubadas das casas, que ficam dentro do território quilombola reconhecido pela Fundação Palmares desde 2016 e que está em processo de titulação.
Roberto Chipp, liderança da comunidade quilombola de Sítio Conceição, conta que não houve a possibilidade de diálogo. “Eles vieram com a polícia civil, advogado, então eles já vieram com a intenção de desocupar, usando a base legal. Infelizmente ficamos de mãos atadas. Eles falaram que iam derrubar e derrubaram”.
A ação viola recentes decisões do Supremo Tribunal Federal que determinaram a suspensão da tramitação de processos que tenham risco de reintegração de posse de comunidades quilombolas – que faz parte da Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) 742 – e processos com ordens ou medidas judiciais de desocupação de áreas urbanas e rurais habitadas antes da pandemia da covid-19, ementa cautelar da ADPF 828 .
Selma Corrêa, assessora jurídica da Terra de Direitos, que acompanha a comunidade, destaca a arbitrariedade da ação. “O despejo das famílias do Quilombo Sítio Conceição representa um grande retrocesso e violação do direito constitucional de acesso à terra pelas comunidades quilombolas. É importante destacar que o STF já se posicionou quanto a proibição de despejo de famílias no período de pandemia, e mesmo com todo posicionamento da Suprema Corte, o juiz de primeiro grau concedeu liminar de imissão na posse a favor da Prefeitura e contra a comunidade quilombola, que neste momento está sendo cumprida, casas estão sendo derrubadas, famílias estão desabrigadas”.
Para a advogada há uma série de violações de direitos relacionados à ação de despejo. “A comunidade quilombola, além de ter sua presença no território totalmente negada, é negado também o direito à moradia, pois tiveram suas casas demolidas, sem nenhuma alternativa de diálogo, segundo relato de moradores, houve uso de violência”.
Após decisão favorável à Prefeitura de Barcarena, em 30 de setembro, a assessoria jurídica da Terra de Direitos se manifestou em defesa da comunidade pedindo a reconsideração da decisão liminar, destacando que as comunidades residem em território quilombola - informação que foi omitida pela Prefeitura no pedido de posse, mas até o momento não obteve retorno. A organização também recorreu para o Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Novas medidas judiciais serão tomadas, já foram acionadas o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu).
Além disso, no dia 04 de outubro, a Campanha Despejo Zero (da qual a Terra de Direitos faz parte) encaminhou ofício ao Prefeito de Barcarena e à juíza da 1ª Vara Cível e Empresarial do município solicitando providências urgentes a respeito da decisão de despejos das famílias de Sítio Conceição, pontuando a necessidade de suspensão da decisão de remoção visto que a liminar viola frontalmente a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Entidades nacionais e internacionais foram comunicadas da situação, como a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Comissão de Direito à Cidade e a Aliança Internacional de Habitantes (AIH).
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