Empresas e Judiciário: patrocínio de eventos da magistratura e a autonomia dos juízes
Luciana Cristina Furquim Pivato
A advogada popular da Terra de Direitos, Luciana Pivato, questiona a influência de empresas nos espaços do sistema de justiça, em especial no judiciário brasileiro, no artigo "Empresas e Judiciário: patrocínio de eventos da magistratura e a autonomia dos juízes", publicado no caderno "Empresas e violações de direitos: Esse lucro não é direito".
No texto, a advogada destaca a atuação de organizações, como a Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), e movimentos sociais comprometidos com a democratização do sistema de justiça para a urgência em se discutir a cultura da autonomia e independência do judiciário, valores fundamentais que são colocados em risco pela lógica do patrocínio empresarial de eventos da magistratura.
Elaborado pela Terra de Direitos, o caderno tem como objetivo reafirmar a importância da construção de uma efetiva política pública para a proteção de defensoras e defensores de direitos humanos, partindo de uma reflexão crítica a respeito dos avanços e desafios enfrentados em sua implementação.
>> Acesse o caderno na íntegra.
Confira o artigo:
Empresas e Judiciário: patrocínio de eventos da magistratura e a autonomia dos juízes
Por Luciana C. F. Pivato, advogada popular da Terra de Direitos
Há pelo menos seis anos a Terra de Direitos, em trabalho articulado com organizações de direitos humanos e movimentos sociais que hoje se reúnem na Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), questiona a influência de empresas nos espaços do sistema de justiça, em especial no judiciário brasileiro.
Dos cerca de 100 milhões de processos que tramitam no judiciário, mais de 40% são demandas do setor financeiro e de grandes empresas[1]. Esse abarrotamento de processos orientou, por exemplo, os rumos da reforma do judiciário, inaugurado com a Emenda Constitucional 45/2004, que buscou garantir segurança jurídica e eficiência na prestação jurisdicional muito mais que transformar as estruturas do sistema judicial para adequá-lo à sua função de solucionar conflitos sociais e de interesse coletivo.
Como principais “clientes” do judiciário, as empresas não medem esforços para alcançarem bons resultados em suas demandas e lançam mão de estratégias escusas como o patrocínio de eventos para a magistratura, colocando em risco o princípio da independência e autonomia dos juízes.
Em 2009, organizações enviaram Carta Aberta[2] à Associação Nacional dos Magistrados brasileiros (AMB), questionando a associação por ter elegido a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) como único interlocutor sobre a temática agrária, de interesse público e social. Nesse caso, ela própria representa em juízo a defesa de interesses econômicos, para conferir palestra no XX Congresso Brasileiro de Magistrados, evento que foi também patrocinado pela CNA, representada no painel pela então Senadora e atual Ministra da Agricultura Kátia Abreu.
No XXI Congresso foi a vez da Norte Energia (empresa responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará) patrocinar o evento em que participaram 1.500 magistrados, entre juízes estaduais, federais, desembargadores e aposentados. Além da Norte Energia, o Congresso ainda contou com o patrocínio de bancos, empresas da área de energia e confederações patronais. De acordo com a AMB, organizadora do evento, cada um dos 16 patrocinadores pagou cotas de cerca de 50 mil reais[3].
Além das denúncias, as organizações passaram a monitorar e incidir no procedimento instaurado no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que levou à aprovação da Resolução 170, em 2013. O ato normativo determina que o magistrado só poderá participar de eventos jurídicos ou culturais, patrocinados por empresa privada, na condição de palestrante, conferencista, debatedor, moderador ou presidente de mesa. Nessa condição, o magistrado poderá ter as despesas de hospedagem e passagem pagas pela organização do evento. Quanto ao patrocínio privado dos eventos, a Resolução aprovada apenas limita a 30% e não proíbe totalmente o financiamento, como pretendia o texto original do então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Francisco Falcão. Ainda assim, segmentos da magistratura tentam reverter as proibições, por meio de mandados de segurança, MS 32040 e MS 31945, impetrados por associações de juízes.
A falta da proibição total, a dificuldade de monitoramento das regras instituídas pelo CNJ e o uso de estratégias que dissimulam o patrocínio fazem com que os escândalos envolvendo eventos de juízes ainda persistam no país.
Recentemente, 35 organizações e movimentos sociais denunciaram a “iniciativa da Amagis (Associação dos Magistrados Mineiros), de realizar um congresso sobre exploração minerária, concentrando sua escuta naqueles que são a fonte principal da judicialização relativa à matéria”, evento patrocinado por empresas como a Anglo American, CRD Seguros, dentre outras.
O enunciado desta última denúncia Para que lado pende a balança da Associação dos Magistrados Mineiros?[4] traduz a inquietação das organizações e movimentos sociais comprometidos com a democratização do sistema de justiça para a urgência em se discutir a cultura da autonomia e independência do judiciário, valores fundamentais do Estado Democrático de Direito, que são colocados em risco pela lógica do patrocínio empresarial de eventos da magistratura. Quem está do outro lado da balança – atingidos pela mineração, trabalhadores, e os que têm o meio ambiente destruído – reclamam com razão da parte que lhes cabe das promessas da democracia e da “justiça”.
[1] A Crítica. Ministério da Justiça aponta os três principais problemas do Judiciário brasileiro.
[3] AGUIRRE, Talento. Empresa responsável pela usina Belo Monte faz congresso para juízes. Folha de São Paulo: 25 nov. 2012. CEPA. ESALQ – USP: 2011; Globo Rural: 17 mai. 2015;
[4] Para que lado pende a balança da Associação dos Magistrados Mineiros?
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