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Após pressão popular, poder público institui grupos de trabalho para atender comunidades da Ilha do Mel (PR)


Colegiados devem assegurar a participação dos comunitários nas decisões sobre questões referentes à Ilha, como moradia, realocação do cemitério e energia elétrica. 

Foto: Terra de Direitos

Após diversas reivindicações de representantes de comunidades de nativos da Ilha do Mel (PR) ao poder público, órgãos vinculados à Paranaguá, ao estado do Paraná e União se comprometeram em criar grupos de trabalho para dar encaminhamentos às reivindicações das comunidades tradicionais. Os grupos de trabalho – compostos por uma diversidade de atores – devem se debruçar sobre a atual cessão pela União da Ilha do Mel para o Estado do Paraná, obras emergenciais e de interesse público, tais como saneamento e luz elétrica, e casos particulares dos comunitários.   

O encaminhamento foi definido na última quarta-feira (12), em Paranaguá (PR), em reunião dos representantes das comunidades de nativos de Brasília, Farol, Praia Grande, Fortaleza, Encantadas e Ponta Oeste, todas localizadas na Ilha do Mel, com integrantes do Ministério Público Federal e do Paraná, Superintendência do Patrimônio da União (SPU) no Paraná, Instituto Água e Terra (IAT), Secretarias Municipais da Agricultura, Pesca e de Urbanismo de Paranaguá, Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos (Nucidh) da Defensoria Pública do Paraná e a Terra de Direitos, organização que assessora as comunidades. 

Mediada pelas promotoras de Justiça da 2ª Promotoria de Justiça de Paranaguá, Vanessa Bonatto, e da Coordenação Regional do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo Litoral (Gaema), Dalva Medeiros, a reunião envolveu três esferas de governo. Isto porque a competência relativa à regulamentação e fiscalização da Ilha do Mel foi cedida em 1982 pela União ao Estado do Paraná, nos termos da Portaria do Ministério da Fazenda nº 160. Em razão da União não estar de acordo com a revisão, em 2020, da Lei 16.037/2009, que regulamenta a gestão da Ilha do Mel pelo estado do Paraná, o contrato de cessão da Ilha deve ser reavaliado por um grupo de trabalho. Até a finalização dos trabalhos por este grupo segue vigente a recomendação administrativa conjunta expedida em 22 de maio deste ano pelo Ministério Público do Paraná (MP) e o Ministério Público Federal (MPF) de suspensão de licenciamentos e autorizações em andamento que tratem de construções e obras na Ilha do Mel até aprovação de novo Plano de Uso da Ilha do Mel.  A exceção é para obras consideradas emergenciais. 

O passo seguinte ao encerramento das atividades deste grupo de trabalho será a revisão do Plano de Controle Ambiental, Uso e Ocupação do Solo da Ilha do Mel. Outro colegiado, criado a partir da Resolução 25/2021, estava em vias de finalização da revisão do Plano. Com a manifestação da SPU de rejeição á proposta de revisão apresentada pelo IAT, o trabalho deve ser reiniciado, desta vez com a participação dos comunitários.  

O grupo de trabalho deve se reunir em 13 de setembro, com participação de representações da Superintendência do Patrimônio da União, Casa Civil, Prefeitura da Paranaguá, Defensoria Pública e das comunidades de nativos da Ilha do Mel. Os representantes dos Ministérios Público Federal e do Paraná devem seguir no grupo, na condição de fiscais. No intervalo destes três meses os órgãos públicos – IAT e Casa Civil – devem disponibilizar informações sobre as ações de fiscalização da Ilha e outras atribuições dos órgãos.  

Consulta prévia 
Em ambas as decisões de interesse público – revisão do Plano de Uso do Solo e revisão de Lei 16.037 em 2020 – as comunidades de nativos não foram consultadas, como determina o direito à consulta prévia assegurado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. A revisão da Lei inclusive ocorreu durante a pandemia, o que impediu um acompanhamento e participação mais qualificados por parte das comunidades. O direito à consulta prévia, livre e informada determina que os povos e comunidades tradicionais devem ser consultados sobre qualquer medida administrativa ou legislativa que possa afetar seus modos de vida. Como o plano de uso do solo diz respeito diretamente a organização da vida na Ilha do Mel – como na questão de moradia, uma histórica reivindicação – os comunitários avaliaram que a criação dos grupos de trabalho demarca um avanço no desenho da gestão pública justamente por garantir a participação popular.   

“Foi a primeira reunião de escuta à comunidade, no trabalho de muitos anos”, destacou a representante da comunidade de Ponta Oeste, Leonor Pereira Cordeiro. “A reunião teve um encaminhamento objetivo para constituição do grupo de trabalho, mas a efetividade mesmo de futuros desdobramentos em benefício das comunidades vai depender do comprometimento dos atores envolvidos, principalmente do estado do Paraná. Mas um ponto relevante a ser citado é que foi a primeira participação efetiva das comunidades representantes [no diálogo com o poder público]. Já havia um grupo de trabalho que foi esvaído, sem qualquer participação popular. Acredito que agora foi dado um primeiro passo para participação das comunidades tradicionais”, complementa o coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Paraná, Antônio Vitor Barbosa de Almeida. 

“Essa reunião interinstitucional permitiu a participação qualificada dos nativos da Ilha da Mel em questões centrais para a garantia do direito territorial e desenvolvimento comunitário, o que por muito anos foi inviabilizada pelo poder público. A partir dos grupos de trabalho, os tradicionais poderão influir nas decisões sobre a cessão da Ilha e futura revisão do Plano de Uso e Ocupação do Solo, como garantem os marcos jurídicos internacionais e nacionais”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Jaqueline Andrade. 

Obras de interesse público 
Ao lado de Leonor, Dircéia relatou a dificuldade ainda presente de acesso à energia elétrica pela comunidade de Ponta Oeste. Com 64 e 70 anos, respectivamente, as moradoras da Ilha lamentam que até hoje é necessário usar um gerador, já que a energia não chega a esta ponta da Ilha. “Em 1985 a energia elétrica foi para a Ilha, mas não para nós. Desde então batemos na mesma tecla. Fizemos desde então vários pedidos e nada. Essa demora nos gera prejuízos irreparáveis”, sublinha a moradora que vive do comercio local. “Muitos que batalharam conosco não estão mais lá, o que nos causa uma tristeza”, complementa sobre a lentidão na resposta do estado à reivindicação.  

A ausência de resposta do Estado também consta na reivindicação de décadas de realocação do cemitério – outra pauta presente na reunião. Localizado a beira-mar, o local de repouso dos mortos das comunidades tradicionais pertencentes à Ilha é apenas acessível para o pedestre que ultrapassa o Mirante da Fortaleza quando a maré está baixa ou via mar. Não há uma trilha de acesso ativada na Ilha. Assim, quando a maré está alta o acesso ao cemitério é obstruído, não importa se há necessidade de um novo sepultamento ou se é do desejo, da fé e do respeito aos ancestrais a ida ao cemitério.  

Além da dificuldade de acesso, o cemitério tem sido corroído – há décadas – pela elevação do nível do mar. Diversos estudos feitos por universidades e órgãos ambientais mostram que as marés já erodiram parte significativa do cemitério. Um deles aponta que nos últimos 20 anos cerca de 25 metros do cemitério foram consumidos pelas águas. Já recuado do local original, o cemitério pode sumir em menos de dez anos, ainda diz o estudo. Na limpeza do cemitério em 2018 a Associação de Nativos da Ilha do Mel levantou que 43 dos 90 túmulos não estavam identificados, frutos da erosão pela maré que destruiu as lápides.  As comunidades defendem que o cemitério seja realocado para área localizada próxima à Praia do Belo.   

Na reunião com o IAT em abril, para as mesmas reivindicações, a liderança comunitária Davi Chagas, de 68 anos, sublinhou como as comunidades se ressentiam da demora da resposta do Estado à pauta dos nativos. Presente na reunião desta quarta-feira, o filho do seu Davi, Hélio Chagas, comemorou o resultado da reunião. “Vou relatar que a reunião que a gente teve em Curitiba [em abril] gerou resultados”, aponta ele.  

Para debate sobre avanço de obras de interesse público, como o fornecimento de energia elétrica, realocação do cemitério e o trapiche, entre outros pontos, também foi definida a realização de nova reunião no dia 22 de agosto, desta vez com participação do seu Davi, aponta Hélio.  

O colegiado ainda deliberou pela criação de grupo de trabalho para análise de casos individuais dos nativos sobre desenvolvimento de obras.  



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Eixos: Política e cultura dos direitos humanos