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Com o julgamento suspenso, metade do STF se manifesta em favor da lei que colaborou com mercado de transgênico


Cinco dos dez ministros votaram pela manutenção da Lei de Biossegurança. Aprovada há 18 anos, norma facilitou a liberação e fiscalização de transgênicos. 

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Metade dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram pelo não reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005). O julgamento ocorre no âmbito  da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3526). Proposta em 2005 pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, a Ação contesta mais de 20 dispositivos da lei que estabelece normas e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGMs) e seus derivados, tais como sementes, leveduras e outros produzidos em laboratórios, em geral, por empresas transnacionais.  O julgamento foi suspenso nesta sexta-feira (30), com pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. 

Até o momento, oito dos dez ministros já se manifestaram na Ação. Destes, cinco ministros - ou seja, a metade - votaram pelo não reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes manifestou-se que não vê problemas na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) ter competência exclusiva na decisão sobre a liberação de produção ou comercialização dos organismos geneticamente modificados. O ministro também aponta que a Constituição Federal não determina a realização obrigatória de estudos prévios de impacto ambiental para todas as liberações, apenas nos casos de significativa degradação ao meio ambiente. O voto de Gilmar foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto Barroso. Antes, o ministro e relator Nunes Marques também já havia se manifestado contra a ação.  

Em lado oposto os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia votaram pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei em julgamento. Em seu voto o ministro Edson Fachin acolheu a ação e destacou que a regulação internacional dos organismos geneticamente modificados ainda visualiza um ambiente de dúvidas sobre os impactos das OGMs na saúde humana. “Há graves incertezas quanto às consequências relativas ao seu impacto nos ecossistemas, na biodiversidade, nos modos tradicionais e autóctones de vida, e em questões socioculturais”, enfatizou o ministro. Em razão disso, recorda o Fachin durante voto, “o princípio da precaução tenha sido largamente enfatizado” nos principais documentos sobre transgênicos: a Convenção sobre Diversidade Biológica e o Protocolo de Cartagena, normativas das quais o Brasil é signatário. A manifestação do ministro dialoga com os argumentos presentes na Ação e na contestação à lei por organizações sociais e pesquisadores.  

Com pedido de vista, faltam ainda os votos dos ministros Alexandre de Moraes e André Mendonça. Indicado ao cargo por Jair Bolsonaro (PL), é esperado que o ministro Mendonça siga com voto alinhado ao agronegócio – setor beneficiado pela Lei de Biossegurança. Assim, a votação deve formar maioria para a permanência da Lei como está.  

 “A manutenção do atual status da Lei significa a continuidade de mecanismos danosos que serão evidenciados no futuro. Como já vimos no caso dos cigarros, no caso dos ultra- processados, no caso dos agrotóxicos, as evidencias se acumularão em função de tragédias familiares. Não estamos realizando estudos prévios, robustos e suficientes antes da liberação de OGMs, nem estamos realizando monitoramento de seus impactos à saúde humana e ambiental, apos as autorizações de liberação comercial. Na pratica isso significa que os verdadeiros testes de segurança estão ocorrendo em tempo real. Somos as cobaias, e os Ministros Fachin. Cármen Lúcia e Rosa Weber compreenderam bem o que isso significa”, destaca o engenheiro agrônomo e membro do Movimento Ciência Cidadã, Leonardo Melgarejo.    

Estudos prévios 
Conforme o artigo 225 da Constituição Federal, atividades com potencialidade de prejuízos ao meio ambiente – como o uso de organismos geneticamente modificados – devem ser submetidas obrigatoriamente a estudos prévios de impacto ambiental. No entanto, a Lei de Biossegurança tornou facultativa a realização dos estudos prévios e condicionada à decisão da CTNBio. Ou seja, em descumprimento com a lei constitucional – fato não reconhecido pelo ministro Gilmar Mendes, a CTNBio, de modo isolado, pode decidir pela não necessidade de elaboração do estudo prévio ambiental.   

Na avaliação da Terra de Direitos, o não reconhecimento pelo Estado brasileiro do princípio constitucional de precaução é um grave risco à saúde humana e ao meio ambiente. E a Lei de Biossegurança, como trata de organismos geneticamente modificados, deveria assegurar medidas para garantir a precaução.  “O Protocolo de Cartagena, ratificado pelo Brasil em 2013, já alerta que a biotecnologia moderna se desenvolve rapidamente e que é crescente a preocupação da sociedade sobre seus potenciais efeitos adversos sobre a diversidade biológica, considerando também os riscos para a saúde humana”, complementa a assessora jurídica da Terra de Direitos, Jaqueline Andrade. 

Na argumentação técnica e jurídica na ação, realizada na ação pela Terra de Direitos e a Associação Nacional de Pequenos Agricultores, na condição de amicus curiae (amigo da corte), as organizações destacaram que ao menos 750 estudos científicos indicam riscos e incertezas dos OGMs foram desconsiderados pela CTNBio, comissão vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.  

 



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