Com participação de Relator Especial da ONU, evento em Genebra denuncia violações de direitos por agrotóxicos
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Organizações sociais apontam intensos impactos para a Argentina, Brasil, Bolívia e Paraguai pelo uso do glifosato pelo agronegócio.
As violações de direitos humanos e ao meio ambiente associadas ao cultivo, em larga escala, de soja geneticamente modificada e ao uso intensivo de agrotóxicos em países da América do Sul é tema de evento paralelo realizado nesta quarta-feira (18), às 10h (horário de Brasília), em Genebra (Suíça). Organizado pela organização argentina Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS), a atividade “O modelo de agronegócio na América do Sul e seus impactos negativos aos direitos humanos e meio ambiente" integra a 57ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas e conta com a participação do Relator Especial sobre Substâncias Tóxicas e Direitos Humanos da ONU, Marcos Orellana. A Terra de Direitos será uma das expositoras na agenda. A atividade não terá transmissão online.
Os países da América do Sul respondem por grande parte da produção de soja no mundo, com a Argentina, Brasil, Bolívia e Paraguai entre os 10 maiores produtores. Dependentes de um modelo agrícola de cultivo em larga escala, uso de sementes modificadas de soja e aplicação intensa de agrotóxicos, os países têm denunciado as violações de direitos humanos - em especial de povos e comunidades tradicionais - , ao meio ambiente e a necessidade de responsabilizar empresas transnacionais do mercado de sementes e agrotóxicos.
Em abril deste ano o Centro de Estudios Legales y Sociales (Argentina), Terra de Direitos (Brasil), BASE-IS (Paraguai), Fundación TIERRA (Bolívia), Misereor e ECCHR apresentaram uma denúncia perante a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) contra a transnacional Bayer. A empresa responde pela produção e comércio do glifosato, agrotóxico usado no cultivo de soja transgênica e com grande potencial tóxico.Na ação as organizações destacam que a Bayer tem violado as diretrizes da OCDE para empresas multinacionais. De acordo com a denúncia, a empresa promove na América do Sul um modelo agrícola que causa insegurança alimentar, escassez de água, desmatamento extremo, perda de biodiversidade, graves consequências para a saúde e conflitos por terras com comunidades indígenas e camponesas. O ponto nacional de contato da OCDE ainda não se manifestou sobre a admissibilidade da denúncia.
Na agenda desta quarta-feira na Organização das Nações Unidas as organizações devem destacar, perante o Relator Especial, a dupla responsabilidade dos estados e das empresas em regular o uso e comércio do glifosato de modo a garantir a proteção aos direitos. “Esta situação envolve tanto as empresas responsáveis pela promoção deste modelo, bem como os Estados que devem regular, controlar e fiscalizar a atuação dessas empresas e garantir o respeito aos direitos humanos”, aponta a CELs.
"Levar o problema do uso de agrotóxicos na região ao Conselho de Direitos Humanos da ONU é uma oportunidade para que especialistas no assunto tomem conhecimento da situação e colaborem na criação de normas para exigir a responsabilidade dos Estados na proteção dos direitos das comunidades.Contar com o apoio de especialistas é uma ferramenta fundamental para fortalecer o sistema de proteção dos direitos humanos e uma forma de monitorar o cumprimento das obrigações do Estado", destaca Luna Miguens, diretora da área Tierra, vivienda y justicia económica da CELS.
As informações prestadas pelas organizações constituem importantes subsídios para a atuação da Relatoria Especial sobre Resíduos Tóxicos. Anualmente a relatoria independente apresenta relatórios ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, além de relatórios específicos sobre países.
Acesse aqui o material pela Terra de Direitos ao Relator Especial da ONU.
Para a assessora jurídica da Terra de Direitos Jaqueline Andrade “a presença do Relator Especial da ONU para substâncias tóxicas e outros especialistas será fundamental para congregar os acúmulos sobre os impactos dos agrotóxicos no Brasil e demais países do Cone Sul, especialmente sobre os povos indígenas, a reivindicação da responsabilização das empresas do mercado de agrotóxicos, bem como valorizar estratégias de redução no uso de agrotóxicos e alternativas viáveis para um outro modelo de agricultura, como a agroecologia”, aponta. A assessora será uma das expositoras.
Recorrentes denúncias do Brasil à ONU
Não é a primeira vez que o Brasil relata a violação de direitos humanos por agrotóxicos à Relatoria Especial da ONU sobre resíduos tóxicos. Em 2020, um conjunto de organizações denunciou ao então relator, Baskut Tuncat, a crescente fragilização da legislação sobre agrotóxicos e cenário de envenenamento da população. Após visita ao Brasil ao final de 2019, Tuncat entregou ao organismo internacional um contundente relatório sobre como o país tem flexibilizado normativas e estimulado o uso dos agrotóxicos no Brasil, mesmo os de alta toxidade e proibido nos países de origem. No documento o relator enfatizava que “o enorme uso de agrotóxicos está resultando em graves impactos sobre os direitos humanos no Brasil”. Acesse aqui o relatório (documento em inglês).
Desde então houve aprofundamento da flexibilização das regras para o mercado de agrotóxicos. Em 2023 o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei conhecido como “Pacote do Veneno”. Convertida na Lei 14.785/2023, flexibiliza profundamente a regulamentação dos agrotóxicos no país. Em razão das diversas violações à Constituição Federal e normas internacionais, partidos e confederação de trabalhadores rurais ajuizaram em agosto deste ano uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). A iniciativa conta com o apoio de organizações, como a Terra de Direitos, e não tem data para julgamento.
O ‘Pacote do Veneno’ foi intensamente reprovado por diversos setores. Fora do Brasil diversas Relatorias Especiais, Grupos de Trabalho e Especialistas Independentes da ONU – sobre Resíduos Tóxicos, Direito à Alimentação, Direitos das Pessoas Idosas, Direitos dos Povos Indígenas e outros – emitiram um comunicado conjunto ao Estado brasileiro, instando o Congresso Nacional a rejeitar o “Pacote do Veneno” em razão do risco de agravamento das já graves violações a direitos humanos decorrentes do uso de agrotóxicos no país.
Para Jakeline Pivato, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a aprovação do Pacote do Veneno, bem como a flexibilização de leis ambientais, potencializa as violações e contaminações no território brasileiro, principalmente, contra as populações mais vulneráveis. Para reverter esse quadro, “é urgente que as empresas produtoras e comercializadoras de agrotóxicos sejam responsabilizadas pelos danos à biodiversidade e à saúde humana. Além disso, o Estado deve se comprometer, urgentemente, com políticas públicas para a redução dos venenos e promoção da agroecologia, dando prioridade à implementação do Pronara”.
Desde a última manifestação do Relator Especial sobre o Brasil o país vive também aprovações de registros sem precedentes. O recorde foi em 2022, com liberação de 652 agrotóxicos naquele ano. Faltando menos de quatro meses para o final do ano de 2024, o Mapa já aprovou 328 registros de agrotóxicos.
As violações a direitos humanos associadas ao uso de agrotóxicos estão na agenda do Suprema Corte brasileira neste segundo semestre. Além da ADI contra o Pacote do Veneno em tramitação, em 5 de novembro será realizada uma audiência pública no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona a isenção fiscal concedida há mais de 20 anos aos agrotóxicos para certos agrotóxicos. A audiência tem como objetivo possibilitar que a Corte ouça a sociedade sobre os impactos do uso de agrotóxicos sobre o direito à saúde, acesso à água, meio ambiente, dentre outros. O prazo para inscrição na audiência encerra nesta quarta-feira (18).
“As violações a direitos humanos associadas ao uso de agrotóxicos no país têm sido reiteradamente denunciada na ONU. Além da Relatoria Especial sobre Resíduos Tóxicos, o tema foi tratado pelo Conselho de Direitos Humanos durante a Revisão Periódica Universal e na revisão sobre o grau de cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Dentre as mais graves violações estão a pulverização aérea de agrotóxicos e o seu uso como arma química contra comunidades tradicionais e defensores de direitos humanos”, destaca a coordenadora de incidência internacional da Terra de Direitos, Camila Gomes.
Intoxicação dos Avá-Guarani
A intoxicação dos povos indígenas Avá-Guarani por agrotóxicos, decorrente do uso no cultivo de soja modificada, será relatada ao Relator Especial pela Terra de Direitos.
Localizadas nos municípios paranaenses de Guaíra e Terra Roxa, as aldeias Y'Hovy, Pohã Renda e Ocoy têm sido intensamente atingidas por agrotóxicos pelas fazendas de soja e de milho que cercam os territórios tradicionais.
Com forte presença da agropecuária, o uso de agrotóxico é intenso na região: 509 dos 661 estabelecimentos agropecuários de Guaíra e 921 dos 1.209 estabelecimentos agropecuários de Terra Roxa relataram uso de agrotóxicos. Só em 2022 foram comercializadas 31.270 toneladas de glifosato no Paraná.
O resultado tem sido a contaminação de mananciais de água, lençol freático, terra, alimentos e famílias. Em testes laboratoriais foi verificada a presença do glifosato e de seu principal metabólito, o ácido aminometilfosfônico (AMPA), em mananciais das aldeias. O Paraná é o segundo maior estado produtor de soja do Brasil.
“Sempre tem essas doenças como resfriados, dor de cabeça, diarreia, e outros e isso acontece nestes períodos em que os agricultores passem veneno nas lavouras. Não é só a gente que sofre com isso, mas animais também, plantas, a água e até mesmo nossos remédios naturais e sementes tradicionais são contaminadas. Estamos vivendo em meio a lavouras e não tem como evitar isso. Dependemos dos nossos pequenos espaços territoriais, já são pequenos e ainda sofrem o impacto do agronegócio”, enfatiza a liderança da aldeia Tekoha Y'Hovy (PR) e da Comissão Guarani Yvyrupá (CGY), Ilson Soares Karai Okaju.
As denúncias ainda relatam o uso de pesticidas como arma química para confinar os povos indígenas a uma faixa de terra cada vez menor. Expulsos dos seus territórios com a construção do reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu e pela expansão agrícola na década de 1940, os Avá-Guarani empreenderam um movimento de retorno ao território em 2004 e lutam pela demarcação definitiva da terra indígena. Até o momento foi elaborada a declaração do Território Indígena e o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID). Com a aprovação do projeto de lei que institucionaliza a tese do marco temporal neste ano, as aldeias vivem momentos de tensões e de violência.
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