Na contramão de decisão popular, vereadores de Santarém aprovam inclusão de Lago do Maicá como área portuária
Lizely Borges
Alteração de texto do novo Plano Diretor, realizada no encerramento das atividades legislativas, desrespeita decisão dos santarenos firmada em Conferência e põe em risco área de preservação ambiental, avalia sociedade civil. Documento segue para sanção do prefeito.
Vereadores do município de Santarém (PA) incluíram, na última sexta-feira (14), emenda à minuta do Plano Diretor do Município (2019-2019) que permite a implantação de terminais de uso privado e estações de transbordo de cargas no Lago do Maicá, área de preservação ambiental.
Após reunião com segmentos do agronegócio, como Sirsan (Sindicato Rural de Santarém) e grupos econômicos interessados na exploração da região, os vereadores – no encerramento das atividades legislativas e sem espaço para participação da população – definiram a área do Lago do Maicá como Zona Portuária 3. O projeto de revisão do Plano Diretor segue para sanção do prefeito ainda neste ano.
A inclusão contraria decisão popular validada em Conferência Municipal realizada em 2017 para atualização do Plano Diretor Participativo (2006) - após realização de 13 oficinas e seis audiências públicas nas zonas urbana e rural de Santarém, entre agosto e dezembro do ano passado - e minuta do texto resultado da Conferência, apresentada aos vereadores em 2018. Assim como no Plano Diretor de 2006, o novo texto resultante da consulta popular não definia a região do Lago do Maicá como área de alongamento do complexo portuário.
A defesa da preservação da área ocorre pelo fato de que a região do Lago do Maicá acolhe uma grande diversidade de espécies da fauna aquática e aves, é polo de visitação turística e fonte de renda para mais de 1.500 famílias. Apenas a pesca artesanal, modalidade de baixo impacto ao meio ambiente, responde por 30% do mercado local. A construção de novos portos graneleiros na área do Lago resultaria, a exemplo do terminal portuário da Bunge em Miritiba (PA), impactos na biodiversidade e na atividade econômica de comunidades ribeirinhas, além de prejuízos no modo de vida da população.
Interesses econômicos
Definido no Estatuto das Cidades, o Plano Diretor é um documento referência para orientar a política de desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana de um município. Para identificar as demandas sociais, o Plano deve ser elaborado a partir da consulta à população. Depois de debate e construção coletiva, uma minuta incorporando anseios populares é entregue à Câmara dos Vereadores. Dentro do rito processual, as alterações no texto do Plano Diretor pela Câmara dos Vereadores ocorrem quando há problemas jurídicos na minuta ou ações que não são parte deste tipo de documento.
Para moradores de Santarém e organizações de defesa dos direitos dos povos e meio ambiente, a inclusão do Lago do Maicá como área de exploração portuária aponta que a gestão municipal sinaliza compromisso com grandes empresas, em detrimento da vontade popular, da preservação do meio ambiente e do compromisso com as comunidades tradicionais.
“A votação do Plano Diretor teve ampla participação popular, inclusive de pessoas que defendiam o Lago do Maicá como área portuária. Essa proposta saiu vencida, não cabia aos vereadores, às vésperas do recesso, passar por cima de uma decisão popular e participativa. Isso além de um desrespeito ao definido em Conferência, afronta a Convenção 169 da OIT, vez que o Lago do Maicá é fonte de subsistência para dezenas de pescadoras e pescadores, quilombolas e indígenas. Isso não deveria ser alterado sem a consulta desses povos”, aponta a assessora jurídica da Terra de Direitos, Layza Queiroz.
Em declaração recente à imprensa, o prefeito Nélio Aguiar (DEM) desconsiderou o fato da área do Lago do Maicá ser de preservação ambiental e de sustento de comunidades locais. “É uma área que se não for destinada pelo plano diretor como área portuária, e a gente não der nenhuma destinação naturalmente ela vai acabar virando uma nova ocupação”, afirmou.
No documento entregue à Câmara após a conferência mantém-se a proposta de três zonas para a região já prevista no Plano de 2006: a primeira zona localizada na orla central destinada ao turismo, projetos históricos, arqueológicos, pesca, embarcações de pequeno e médio porte, com trânsito intramunicipal; a segunda zona refere-se a faixa que vai da Av. Borges Leal até o limite da Área de Proteção Ambiental do Maicá, com foco maior no “transporte intermunicipal e interestadual de embarcações de carga e passageiros”; e a terceira zona, ainda a ser implementada, compreendia “empreendimentos de grande porte e maior impacto ambiental”, porém isso somente após a realização de estudos técnicos de viabilidade, garantindo consulta aos povos e comunidades tradicionais a serem impactado.
O documento entregue à Câmara ainda incluía um mapa para identificação desta Zona Portuária 3. Para isso, determinava que deveria ser elaborado um estudo por um grupo multidisciplinar, formado por membros da sociedade civil e do poder público, com paridade de composição, durante o prazo 12 meses anteriores à qualquer construção. O documento também assegurava e em consonância com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) o direito de consulta aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais afetadas pelo alongamento da zona portuária para instalação de qualquer novo empreendimento de grande porte e impacto ambiental.
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