“Antonio Tavares está vivo nas pessoas que lutam por seus direitos”, diz irmão de camponês assassinado pela PM
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Ato em homenagem a Tavares e mais de 200 trabalhadores feridos reivindica cumprimento pelo Brasil de sentença da Corte IDH.
Na manhã desta quinta-feira (2), um ato relembrou e pediu justiça pelo assassinato do camponês Antonio Tavares, morto pela Polícia Militar do governo Jaime Lerner, em 2 de maio de 2000, e pelos mais de 200 feridos pela violência estatal. Na altura do quilômetro 108 na BR-277, em Campo Largo (PR), às margens da rodovia e próximo do local da intensa repressão ocorrida há 24 anos, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), parlamentares e organizações sociais reivindicaram o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), divulgado em março deste ano.
Na sentença o Corte reconheceu e condenou o Brasil pela omissão e ausência de responsabilização às violações de direitos cometidas contra os manifestantes que se deslocavam do interior do Paraná para a capital, para ato em defesa da reforma agrária. Na altura do KM 108 a Polícia Militar parou os ônibus e reprimiu violentamente os manifestantes. Na ação dos agentes de segurança pública, mulheres, crianças e pessoas idosas também foram feridas.
Entre os participantes do ato estava Antônio Tavares Irmão, um dos irmãos de Tavares. Ele mora no assentamento Santa CLARA, Candói, mesma região onde Antonio Tavares vivia com a família. Passados 24 anos do crime, o camponês afirma ainda esperar justiça e reparação à família e destaca a importância da decisão. “É um momento de celebração e de acreditar que Antonio Tavares está vivo nas pessoas que acreditam na luta e não desistem e lutam por seus direitos. A família recebeu a decisão da Corte Interamericana com muita alegria porque até em que enfim, depois de 24 anos de muita luta e resistência, o estado foi responsabilizado pela crueldade de tirar a vida do meu irmão”, enfatizou ele.
Para ele, estar aos pés do monumento erguido pelo MST e projetado pelo arquiteto Oscar Niemayer é também de conexão com o passado e futuro de luta. “Toda vez que eu passo aqui é um sentimento diferente. É um sentimento do momento da tristeza, fica na gente imagem da memória do massacre. E agora com a conquista do monumento que virou patrimônio histórico, a gente se alegra porque a história fica viva na memória do povo”, diz. Em julho de 2023 o monumento foi reconhecido como patrimônio municipal histórico-cultural pela Prefeitura de Campo Largo (PR).
“Ele [Antonio Tavares] já é vida, isso foi incorporado na nossa ação massiva, é sinal que as sementes germinaram, as árvores enraizaram e nós estamos colhendo o seu ideário, seu exemplo de vida. Ele cumpriu a sua função de ser social, ser político, ser humano”, garantiu Roberto Baggio, integrante da direção nacional do MST. O ato contou com a mística realizada pela turma de Tecnólogo em Agroecologia da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA).
Sentença da Corte IDH
Para os participantes do ato, a homenagem ao camponês Antonio Tavares e os mais de 200 feridos assumem uma dimensão coletiva de reconhecimento das violações de quem luta pelo direito à terra e ao trabalho. Este reconhecimento também esta presente na sentença da Corte IDH.
“Dos 14 casos contra o Brasil já apreciados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, quatro casos tratam de violações a direitos humanos cometidas contra trabalhadores Sem Terra. Desses quatro casos, três ocorreram no Paraná. No caso Tavares, pela primeira vez, esse tribunal internacional reconheceu que as violações não afetaram somente indivíduos, mas uma grande coletividade, um grande contingente de pessoas. E o Monumento foi protegido como símbolo dessa luta e dessa coletividade", destaca a coordenadora de incidência política da Terra de Direitos, Camila Gomes. Conjuntamente com o MST e Justiça Global, a organização é uma das peticionárias na ação na Corte IDH.
Em 2009, a Corte considerou o Brasil culpado pela não responsabilização dos envolvidos no assassinato de Sétimo Garibaldi, agricultor morto em 1998 durante um despejo ilegal de um acampamento do MST, em Querência do Norte, também no Paraná. No mesmo ano, a Corte também condenou o Brasil pelo uso de interceptações telefônicas ilegais em 1999 contra associações de trabalhadores rurais ligadas ao MST, também no Paraná.
Com mais de 80 páginas, a decisão divulgada em março deste ano sobre o Antonio Tavares determina que o Brasil adeque seu ordenamento jurídico em relação à competência da Justiça Militar, de modo que a Justiça Militar no Brasil não tenha competência para conhecer e julgar nenhum delito cometido contra civis. Outra medida presente na sentença é a inclusão de conteúdo específico no currículo para permanente formação de agentes de segurança pública, de modo a garantir o respeito aos direitos dos manifestantes. A sentença ainda determina a realização pelo Estado brasileiro e do Paraná, em diálogo com vítimas e representantes, de ato público de reconhecimento de responsabilidade pelas violações de direitos do caso, indenização às vitimas e familiares de Antônio Tavares, proteção ao monumento, entre outras medidas.
“São 24 anos de nova luta, de uma luta diferente. Uma luta é a pela terra, que o MST fez, faz e faz bem. A outra luta é pra não esquecer, pra mostrar quem são os assassinos. Porque quem matou Antonio Tavares não pode ter outro nome senão o de assassino”, afirmou o professor Carlos Marés, ex-Procurador Geral do Estado do Paraná e Presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Procurador Geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
No dia 25 de abril, militantes do MST e das organizações Terra de Direitos e Justiça Global se reuniram com interlocutores do Ministério dos Direitos Humanos (MDHC) para iniciar o planejamento para que o Estado cumpra a sentença da Corte.
Relembre o caso
Antonio Tavares Pereira foi assassinado em 02 de maio de 2000, quando mais de 1.500 integrantes do MST se dirigiram à capital paranaense para participarem da Marcha pela Reforma Agrária, em comemoração ao Dia dos Trabalhadores e Trabalhadoras. Sob comando do governador à época, Jaime Lerner (antigo DEM), sem qualquer ordem judicial, a Polícia Militar do Paraná, organizada em uma tropa de 1.500 agentes, bloqueou a BR-277 e impediu – à bala – a chegada da comitiva de 50 ônibus a Curitiba e reprimiu os manifestantes com violência. Além do assassinato de Tavares, mais de 200 trabalhadores rurais ficaram feridos.
Na altura do KM 108, em razão de um bloqueio feito pela Polícia Militar, os passageiros desceram de um dos ônibus, quando PM’s fizeram disparos contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais, matando Antonio Tavares e ferindo mais de 200 pessoas. Vale destacar que a Polícia Militar não prestou socorro às vítimas.
Antonio Tavares tinha 38 anos quando foi assassinado, deixando esposa e cinco filhos. Era assentado da reforma agrária no município de Candói e fazia parte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade.
Na avaliação do MST, o ataque à marcha não foi um caso isolado. A repressão, aponta o movimento, está inserida num contexto de intensa criminalização e perseguição aos movimentos sociais de luta pela terra no Paraná, endossada pelo então governador Jaime Lerner. Entre os anos de 1994 e 2002, primeiro e segundo mandatos de Lerner, ocorreram 502 prisões de trabalhadores rurais, 324 lesões corporais, 07 trabalhadores vítimas de tortura, 47 ameaçados de morte, 31 tentativas de homicídio, 16 assassinatos, 134 despejos violentos no Paraná.
Notícias Relacionadas
Estado Brasileiro é condenado pelo assassinato do camponês Antonio Tavares
Por Assessoria de Comunicação Terra de Direitos, Justiça Global e Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
Protegido durante 20 anos por apoio popular, Monumento Antônio Tavares é reconhecido como patrimônio histórico
Por Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Casos Emblemáticos: Antonio Tavares
Eixos: Terra, território e justiça espacial