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Mulheres quilombolas do Pará discutem justiça climática, COP 30 e formas de resistência em defesa da Amazônia


Cerca de 400 mulheres quilombolas reafirmaram o papel de protagonismo que desempenham no enfrentamento da crise climática  

11º Encontro de Mulheres Negras Quilombolas do Pará ocorreu no Quilombo de Murumuru, em Santarém, oeste do Pará (Foto: Lanna Ramos)Há quase um ano da realização da Conferência das Organizações das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a 30ª COP do clima, que será realizada em novembro de 2025 em Belém, no Pará, a Malungu – Coordenação das Associações Quilombolas do Pará – decidiu trazer esse tema para o centro do debate e ouvir a perspectiva das mulheres quilombolas paraenses. Com o tema “Cura Ancestral: um grito de ecoresistência em defesa da Amazônia”, a Malungu organizou entre os dias 13 e 15 de setembro, no Quilombo de Murumuru, em Santarém, o 11º Encontro de Mulheres Negras Quilombolas do Estado do Pará. A Terra de Direitos foi uma das organizações apoiadoras e contribuiu com o debate sobre clima.  

 “A missão aqui é evidenciar o protagonismo das mulheres quilombolas e, principalmente, a defesa do território. Nesse cenário pré COP 30, nós viemos com o intuito de fortalecer a narrativa de que na Amazônia existem quilombolas. E mulheres quilombolas que estão lutando diariamente para que seus territórios sejam respeitados, para que suas vidas sejam respeitadas, e para que as nossas crianças possam ter um futuro sustentável e protegido com uma floresta linda ao redor”, afirma Carlene Printes, coordenadora de gênero e diversidade da Malungu responsável pela organização do encontro.  

O evento, realizado a cada dois anos, contou com cerca de 400 mulheres quilombolas de todas as regiões do estado. Debater o protagonismo das mulheres quilombolas da Amazônia nas temáticas sobre as mudanças climáticas é reconhecer e fortalecer a luta de mulheres que constroem a solução nos territórios, como aponta Carlene. “Eu queria ouvir das mulheres qual é a perspectiva delas e o que elas têm a dizer sobre esse tema. E a gente percebe nesses dias, que essas mulheres são fundamentais. São elas que estão na linha de frente. São elas que cuidam, plantam e que produzem o alimento dentro do território”.  

Por isso, umas das atividades do evento foi uma roda de conversa com o nome “Saberes Ancestrais e Justiça Climática – Adaptando e renovando nosso futuro e a participação das mulheres na COP 30”. Participaram como debatedoras Daniele Bemdelac, geógrafa e quilombola da comunidade Umarizal, em Baião, Valéria Carneiro, Coordenadora do Fundo Quilombola da Malungu, Érica Monteiro, Coordenadora Nacional da Região Norte da CONAQ, Suzany Brasil e Bruna Balbi, assessoras jurídicas e coordenadoras do Programa Amazônia da Terra de Direitos.  

Temas como mercado de crédito de carbono, financiamento climático, sociobioeconomia e a participação na COP 30 foram tratados. Especial atenção foi dada pelas debatedoras ao o papel das mulheres quilombolas no tema clima. 

Érica Monteiro, quilombola de Itacoã Miri, que esteve a primeira vez na COP 27, no Egito, representando a Malungu, compartilhou sobre a experiência de participar da Conferência do Clima e tratar sobre justiça climática junto a pessoas de diferentes países. Para ela falar de justiça climática é imprescindível dentro do debate das mudanças do clima porque trata sobre garantir direitos territoriais e básicos para as populações tradicionais que preservam o meio ambiente.  

“Não tem como discutir mudanças climáticas, sem discutir justiça climática. Quem são as populações que dão a vida pelo território? Essa questão do acompanhamento da regularização fundiária para garantir a titulação das nossas comunidades quilombolas, isso é justiça climática. Enquanto os outros países destruíram, a gente está pagando essa conta porque somos nós, populações tradicionais, ribeirinhas, indígenas e quilombolas, que mantemos a floresta em pé. Então como discutir essa questão sem justiça climática", declara.  

O protagonismo das mulheres diante da emergência climática do planeta está em dois extremos: são elas as mais afetadas pelos impactos de eventos climáticos e, também, são as que articulam maneiras e soluções de enfrentamento das consequências em seus territórios. De acordo com o relatório “Justiça climática feminista: Um modelo para ação”, lançado em 2023 pela ONU Mulheres, até 2050 cerca de 158 milhões de mulheres e meninas podem ser expostas a pobreza e 236 milhões enfrentarão insegurança alimentar por conta das mudanças climáticas. O estudo não considerou especificidades de raça e localização geográfica, que podem agravar ainda mais esses números.  

Suzany Brasil, assessora jurídica da Terra de Direitos, com uma dinâmica de interação instigou as mulheres a refletirem sobre questões como meio ambiente, ancestralidade, território e a participação na COP 30. As mulheres entraram no debate apresentando suas perspectivas e demandas para o enfrentamento dos impactos que já são sentidos por elas no território, seja sobre a falta de políticas públicas ou de espaço de participação social em espaços como da conferência.  

“As mulheres quilombolas são as principais impactadas pelas mudanças climáticas e também são as maiores defensoras da natureza, da floresta e de uma forma de viver efetivamente sustentável e que garante o futuro da floresta, da Amazônia e de todo mundo. Então é preciso que compreendam a importância do seu papel, compreendam os espaços que elas podem incidir e atuar para que sejam valorizadas e que cheguem até as políticas públicas relacionadas as mudanças climáticas para que a justiça climática efetivamente se faça”, enfatiza a assessora jurídica. 

Cerca de 400 mulheres quilombolas de todo o Pará estiveram presentes em três dias de evento (Foto: Lanna Ramos)

Juntamente com justiça climática também foram tratadas como pautas de resistência das mulheres quilombolas o protagonismo feminino em espaços de poder, empreendedorismo como garantia de renda das famílias, acesso às políticas públicas, entre outras formas de ecoresistência articuladas pelas quilombolas no enfrentamento às mudanças climáticas e manutenção de seus modos de vida.  

“Acho essencial essa resistência da Amazônia, que é articulada a partir dessa ancestralidade feminina negra que a gente tem tão potente nesse nosso Pará”, finalizou Suzany Brasil no encontro.  

Participação de mulheres na COP 

A Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) é realizada anualmente entre os líderes mundiais dos países signatários da Convenção. Na Conferência os países membros apresentam e discutem diretrizes presentes no Acordo de Paris, que prevê metas para limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5 ºC.  

Por se tratar de um espaço de discussão entre altas autoridades dos países, a COP é reconhecida como uma agenda limitada para participação da sociedade civil, mesmo que se façam presentes em determinados espaços. Diversos movimentos sociais, povos e comunidades tradicionais de todo mundo tecem críticas à ausência de participação popular no evento, e quando se considera a presença de mulheres essa questão fica ainda mais latente.  

De acordo com uma análise da BBC sobre as delegações dos países membros na COP 27 realizada em 2022, no Egito, menos de 37% eram mulheres. 

Em levantamento recente do Greenpeace Brasil, a organização pontua que das 28 edições já realizadas em apenas cinco delas foram presididas por mulheres. Um cenário, no mínimo, incoerente considerando que estudos apontam as mulheres e meninas como sendo as mais afetadas pelas mudanças do clima.  

É por isso que para a quilombola Silvia Rocha, da comunidade Boa Vista, do Alto Trombetas município paraense de Oriximiná, atividades como o Encontro de Mulheres Negras Quilombolas são, além de espaços de afeto e ancestralidade, momentos essenciais de empoderamento, que permitem que as quilombolas se fortaleçam para reivindicar o protagonismo em espaços de poder como das negociações climáticas. 

 “É primordial que as mulheres quilombolas estejam nesse espaço de discussão da COP 30. Primeiro porque as mulheres nunca conseguem estar em espaços que não sejam do servir, então é muito importante que as mulheres estejam assumindo o protagonismo independentemente de onde seja. Se elas têm a oportunidade de ocupar esse espaço e estar à frente de algo, isso é de grande importância”, declara.  

A expectativa da Malungu, segundo Érica Monteiro, é que a organização consiga mobilizar e garantir a presença de pelo menos 500 quilombolas do Pará no espaço da COP 30 que será destinado a sociedade civil em Belém.



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Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Terra, território e justiça espacial