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Descumprimento de decisões judiciais pela União em titular território quilombola expõe Paiol de Telha à Covid


Sem o título da posse coletiva políticas pela Comunidade localizada em Reserva do Iguaçu (PR), públicas essenciais, como acesso à água e saneamento, são obstaculizadas.

Apenas uma pequena fracção da àrea de direito da Comunidade foi titulada. Foto: Lizely Borges

A alta vulnerabilidade social, econômica e à pandemia pela Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha, localizada em Reserva do Iguaçu (PR), poderia ser revertida caso a União cumprisse as decisões judiciais para titular a totalidade do território, e assim garantir melhor estrutura para as famílias.

Em março deste ano venceu o prazo da União para disponibilização de recursos para desapropriação de terras em favor da comunidade, uma das etapas centrais do processo de titulação de territórios quilombolas. Ainda que a União tenha recorrido à decisão da 11ª Vara Federal de Curitiba, que determinou a destinação de R$23 milhões para a titulação de todas as áreas a que a comunidade tem direito, a decisão da Vara de Curitiba está vigente. Isto porque os recursos apresentados pela União foram rejeitados em setembro de 2019 pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).

Os julgamentos e decisões favoráveis à Comunidade decorrem da Ação Civil Pública (ACP) movida pelos integrantes da Associação Quilombola Pró-reintegração Invernada Paiol de Telha Fundão, ente que representa juridicamente a comunidade, para exigir a titulação do território e o pagamento de indenização para a comunidade por danos morais coletivos, pela demora na titulação da área. A Ação pedia que o Incra apresentasse, dentro de 60 dias, um plano estratégico para titulação de todo o território tradicional de execução em até cinco anos. Ajuizada em novembro de 2018 e mesmo com decisões favoráveis, a União não avançou em nenhuma destas reivindicações. Uma audiência na Vara de Curitiba estava marcada para abril deste ano, mas em razão da pandemia foi suspensa e remarcada para 16 de outubro. 

Em recente manifestação, no dia 07 de julho,  o desembargador federal Rogério Favreto, do (TRF4), reconheceu novamente o direito da Comunidade em ter a totalidade do seu território titulado. A manifestação do magistrado reafirma o voto expresso no julgamento dos recursos, em setembro, de que a cabe à União a previsão de orçamento para efetivação de atos que são de sua responsabilidade.

“A restrição orçamentária é realidade há muito tempo em territórios nacional atingido as diferentes esferas, contudo tal fundamento é usado como escusas para implementação de políticas públicas. Porém, ao discursos de restrição orçamentária não são poucas as notícias de destinação de verbas para implementação de projetos envolvendo vultuosos quantias beneficiando outras setores da sociedade”, destacou o desembargador durante manifestação do seu voto no julgamento em setembro, ao destacar a negativa de recursos do Estado brasileiro para execução de determinações asseguradas na Constituição e a destinação de orçamento para outros setores.

“A morosidade do Estado impõe uma situação de permanente precariedade e vulnerabilidade à comunidade quilombola de Paiol de Telha. No contexto de pandemia, tal situação fica ainda mais evidente. Cabe ao sistema de justiça manter sua posição de responsabilizar o Estado pela continuidade dos atos que são de sua responsabilidade para garantir o direito da comunidade quilombola ao seu território tradicional”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Maira Moreira.

Os votos da desembargadora Vânia Hack e Marga Tessler ainda não foram proferidos. Tessler pediu vistas do processo. 

Vulnerabilidade à Covid
A garantia das mínimas condições de proteção à Covid-19 e o auxílio emergencial às 300 famílias da Comunidade tem sido um esforço quase que exclusivo da Comunidade e de iniciativas solidárias.

Com o território parcialmente titulado em abril de 2019 – o primeiro do Paraná –, serviços essenciais para contenção da pandemia, como acesso à água e saneamento básico, ainda não foram devidamente instalados. Para dar conta dessa necessidade, parte das famílias faz uso de um poço artesiano e o restante é obrigado a buscar água em localidades próximas.

Se as 62 famílias residentes na área titulada, de domínio coletivo de 225 hectares de terra, ainda carecem de uma infraestrutura mínima, as demais famílias residentes na área ainda não titulada, de 2.739 hectares a que a comunidade tem direito, sofrem com a alta vunerabilidade social e econômica. A ausência de políticas e ações dirigidas ao território, como assistência técnica rural, também cria insegurança e poucas condições para a organização da vida no território, como com a criação de animais e realização de plantios.

“São mais de 50 anos que estão esperando para retomada do território. Cada dia que passa fica mais desesperador, são 300 famílias que aguardam essa solução da União em pagar o território para ter de volta o que é de direito das famílias”, destaca a integrante da Comunidade e também da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Ana Maria da Cruz. Ela faz referências às diversas famílias que também desejam voltar a para residir na área, mas diante da ausência mínima de infraestrutura se deslocaram para outros lugares fora do território tradicional.

Ana Maria relata que até o momento não houve registro de casos de Covid na Comunidade. De acordo com a liderança, as famílias têm adotado rígidos protocolos sobre a entrada e saída no território, para minimizar riscos de contágio. O fornecimento de alimentos tem sido garantido por iniciativas solidárias. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), autarquia responsável pela titulação das áreas, disponibilizou uma cesta básica ao conjunto das famílias apenas uma vez, em abril. “A cesta durou apenas 15 dias”, relata Ana.

Neste contexto de crise epidemiológica e manifestação mais letal da doença em comunidades quilombolas, como aponta a Conaq, a comunidade incluiu em sua pauta de reivindicação materiais essenciais como produtos de higiene e de limpeza. De acordo com a liderança, até o momento o Incra não estabeleceu diálogo com a Associação quilombola para identificar e atender demandas específicas deste contexto de pandemia. “E por conta da pandemia não tem como ir ao Incra [com sede em Curitiba] para pressionar. A gente liga para os números disponibilizados e ninguém atende”, declara Ana.

Com uma significativa população idosa residente na Comunidade, Ana teme a infecção de alguém pela Covid e as dificuldades de pronto atendimento aos enfermos. “Se tiver caso de Covid no Paiol vai ser desesperador porque Reserva do Iguaçu não tem recurso e a distância até um hospital é muito grande. A gente está pedindo para as pessoas não saírem do território e sair só em caso extremo, pra comprar o que não tem mesmo”, relata. O território tradicional está localizado à 13 quilômetros do único posto de Saúde da cidade Casos graves de saúde - como uma manifestação mais intensa da Covid - só podem ser atendidos pelo hospital em Guarapuava, a mais de 100 quilômetros da Comunidade.

 



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Ações: Quilombolas
Casos Emblemáticos: Comunidade quilombola Paiol de Telha
Eixos: Terra, território e justiça espacial