“Ministério da Agricultura atua como se o PL do veneno já estivesse aprovado”, destaca especialista
Lizely Borges
Debate anterior à Jornada de Agroecologia do Paraná reforça que liberação recorde de registros agrotóxicos intensifica vulnerabilidade ambiental e da saúde
A liberação recorde de registros de agrotóxicos neste ano pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), na ordem de 290 até o momento, antecipou a crítica de um conjunto de atores sociais ao Projeto de Lei 6.299/2002, de autoria do ex-senador Blairo Maggi (PP). Conhecido como “Pacote do Veneno”, o projeto pronto para ser apreciado pelo Plenário da Câmara, altera e flexibiliza, em profundidade, a legislação para plantio, comercialização e fiscalização dos agrotóxicos.
“O Mapa atua como se o PL do veneno já estivesse aprovado”, denuncia Wanderlei Pignati, médico, professor e pesquisador do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em debate realizado na noite desta quarta-feira (28), na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em Curitiba (PR). A agenda antecipa os debates realizados pela 18ª Jornada de Jornada de Agroecologia do Paraná, também realizado na capital paranaense entre os dias 29 de agosto a 1 de setembro. Veja aqui a programação.
Sob atual comando de Teresa Cristina, ruralista ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e então deputada federal relatora da Comissão Especial do Projeto de Lei durante tramitação do PL no último ano, o Mapa tem usado dos seus expedientes para avanço da flexibilização dos insumos químicos como alternativa à oposição de diferentes setores à medida em tramitação no legislativo. Em recente normativa expedida, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recomenda, aos diferentes órgãos administrativos, a adoção de medidas mais restritivas e preventivas em relação aos insumos químicos.
Somado à liberação dos registros, a recém implementada nova classificação dos agrotóxicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ao final de julho, confere ainda maior risco ao meio ambiente e à população na medida em que recategoriza muitos agrotóxicos como de menor toxidade, entre outras medidas de flexibilização. “Vai aumentar a incidência de doenças agudas e crônicas, principalmente agora que fizeram uma reclassificação dos agrotóxicos”, diz o professor, acrescentando que o cidadão irá se contaminar, de forma mais intensa, sem saber.
Contaminação intencional
Para o professor é necessário diferenciar a contaminação de ambientes por agrotóxicos e demais produtos. “É acidental uma contaminação por chumbo ou sílica, ninguém quer colocar no ambiente estes produtos. Já com agrotóxicos não, a contaminação é intencional para atingir as 'pragas' da lavoura, o fungo, a bactéria, a erva daninha, o inseto”, diz. Como a aplicação do insumo não se restringe ao alvo da aplicação do veneno, ele destaca que todo o ambiente é afetado. “Se pegarmos uma plantação de milho e a aplicação do agrotóxico é para atingir apenas o mato é todo ambiente que receberá o produto. Vai poluir o fruto, o subsolo, os rios que recebem o escoamento do produto vindo da condensação, o trabalhador, a área de entorno, o ar. Vai atingir todo o bioma, as pessoas, animas e vai trazer um conjunto de doenças”, complementa.
O contato com o produto – em situações pontuais ou contínuas – gera, de acordo com estudos, uma diversidade de patologias – desde cognitivas e neurológicas até a ocorrência de diversos tipos de câncer.
Além dos danos ambientais e à saúde, Pignati destaca que a indústria dos agrotóxicos, nas suas diferentes etapas, gera lucros exclusivos às grandes corporações do agronegócio. “Há um levantamento que, se um município depende mais de 70% do agronegócio, ele é pobre, principalmente pelo fato de que a Lei Kandir [Lei Complementar 87/1996] desonera a exportação do produto primário”, diz. Desta forma, os grandes produtores que fazem uso de agrotóxicos na produção de alimentos voltados para fora do país não contribuem com os cofres públicos. “O maior município produtor de soja do Brasil e do mundo, que encerrou 2017 com produção de 650 mil hectares de soja, queria fechar o hospital regional em abril de 2017. O maior município produtor de soja do mundo não tem dinheiro para manter o hospital, olha a contradição”, lamenta ele. O Hospital Regional de Sorriso (MT), localizado no município conhecido como “capital do agronegócio”, não foi fechado apenas por resistência da população.
A isenção fiscal também beneficia o mercado de agrotóxicos e é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Desde 2004, o setor de agrotóxicos é beneficiado pela Lei 10.925, de autoria do deputado Mario Negromonte (PP-BA), ex-ministro das Cidades, que prevê a isenção do pagamento de tributos como o PIS/PASEP e do Cofins na importação e sobre a receita bruta de venda no mercado interno. Apenas em 2018, o Brasil deixou de arrecadar R$ 2,07 bilhões em razão da isenção fiscal dos agrotóxicos que existe no país.
Paraná
De acordo com o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), a quantidade média de agrotóxico consumida no Paraná, em 2015, foi de 8,25 litros ao ano. Isso posiciona o estado entre a marca de segundo e terceiro maior consumidor do país, atrás apenas de Mato Grosso e em disputa com São Paulo. A média de consumo de agrotóxico pelo brasileiro é de 7,3 litros ao ano.
“Nós todos estamos vivendo insegurança alimentar. Se considerarmos que os alimentos estão contaminados como podemos dizer que a alimentação saudável está assegurada? Não podemos”, pontuou a Procuradora do Trabalho (MPT), Margaret Matos.
Com 78% do território paranaense ocupado por atividades relacionadas à pecuária e agricultura, o estado do Paraná ainda carece de uma legislação de desestímulo ao consumo de agrotóxicos. Duas importantes medidas tramitam em diferentes esferas para garantia de medidas mais restritivas ao uso dos agrotóxicos. De autoria do deputado estadual Tadeu Veneri (PT), o Projeto de Lei 02/2018 proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o território estadual, bem como veda a comercialização de materiais utilizados na prática de disseminação, pelo ar, dos insumos químicos. A matéria foi recentemente aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Paraná.
Outra medida busca fixar a distância mínima para pulverização terrestre e aérea de agrotóxicos. Em fevereiro, organizações representativas da agroecologia, de agricultores familiares, direitos humanos e comunidades tradicionais protocolaram junto à 3ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba um pedido de amicus curiae para participar do debate sobre o tema. O uso do recurso jurídico que permite que a sociedade participe de debates de matérias de interesse público é uma via utilizada pelo grupo para romper com a decisão unilateral do governo do Paraná que revogou a regra estadual que estabelecia distância mínima (Resolução Conjunta 01/2018.)